Jornal Digital Regional
Nº 592: 16/22 Jun 12
(Semanal - Sábados)






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DEFESA DA EX-SECRETÁRIA
ACUSA JÚLIA PAULA DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

Fala-se de cinismo e perseguição
Questionam-se as reais razões do litígio
Câmara paga todas as custas há dois anos

O litígio judicial que, há cerca de dois anos, opõe Júlia Paula e a sua ex-secretária, começa a ganhar contornos de maior gravidade. Na resposta ao recurso interposto pela firma Vellozo Ferreira junto do Supremo Tribunal Administrativo (STA), a defesa de Teresa Amorim usa uma linguagem contundente e, a dado passo, acusa a recorrente (Câmara/Júlia Paula) de litigância de má-fé. O recurso também é qualificado como "mais uma peça da estratégia de estrangulamento psíquico e económico" da funcionária. O STA parece ter acolhido todos os argumentos e deu razão à defesa quanto à extemporaneidade da actuação de Júlia Paula. Assim sendo, o Supremo disse "não" ao recurso e imputou as custas à Câmara, à semelhança do que aconteceu nas restantes oito derrotas.

O recurso interposto pelos advogados do Porto que representam a Câmara, por decisão de Júlia Paula, tem a grossura de um livro com muitos capítulos…. No entanto, ao que apurámos, não apresenta novidades em matéria de argumentos, face ao já exposto e recusado noutras instâncias. Assim sendo, parece evidente, nunca deveria ter existido.

O dossier é descrito por fontes próximas da ex-secretária como um volume com vários capítulos e um prefácio longo, que é repetido antes de cada um desses capítulos, o que resulta num processo repetitivo, "enfadonho", que não terá agradado aos magistrados. "É como aqueles alunos que, não sabendo a resposta à pergunta, num exame, escrevem 'palha', obrigando o docente a perder tempo", ilustra uma fonte da defesa.

Em causa, nesta fase, está ainda a providência cautelar que suspendeu o despedimento da funcionária, deliberado em reunião do Executivo caminhense, de 4 de Março do ano passado, com os votos da maioria PSD.

Júlia Paula tentou em todas as instâncias contrariar a providência cautelar e efectivar o despedimento, assim como suspender o pagamento do salário devido a Teresa Amorim. Perdeu sempre, por oito vezes consecutivas, como contámos na nossa edição de Fevereiro.

O recurso ao Supremo não era admissível

Até então, a Câmara tinha averbado oito derrotas, mas Júlia Paula nem assim se deu por vencida, numa fase que é, afinal, intermédia e provisória, até que exista uma decisão no processo principal.

Mas a autarca não se conformou, não quis esperar, e tentou o recurso ao STA, possibilidade que tem carácter excepcional e não se enquadra no caso em apreço, quer no entendimento da defesa, quer no do Supremo. Júlia Paula perdeu novamente e a Câmara vai pagar as custas desta e das outras acções anteriores.

O STA explica que o artigo 150ª do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), em que os advogados de Júlia Paula se baseiam, é desadequado neste caso, dado o carácter excepcional que impõe. "A intervenção do STA só se justificará em matérias de maior importância sob pena de se generalizar este recurso de revista o que, se acontecesse, não deixaria de se mostrar desconforme com os fins obtidos em vista pelo Legislador (…) Acresce que não se depara com questões de especial relevância social, na medida em que os interesses em jogo não ultrapassam significativamente os limites do caso concreto", escreve o STA, que não admite o recurso e imputa as custas ao recorrente.

Mais um episódio de uma verdadeira "saga"

O mesmo argumento usado pelo STA é utilizado nas contra-alegações de recurso apresentadas pela defesa de Teresa Amorim. Ou seja, ambos defendem a tese de que a atitude de Júlia Paula não deveria ter acontecido.

A defesa expõe a jurisprudência sobre a matéria e diz que os advogados de Júlia Paula não a podiam ignorar, e bem sabiam que o STA não admitiria tal recurso, sob pena da "excepção se tornar regra", mas optaram, mesmo assim, por fazer uma exposição "romanceada". A defesa vai mais longe e escreve: "Aliás, o recurso só se entende como mais uma peça da estratégia de estrangulamento psíquico e económico que o recorrente empreendeu em relação à recorrida desde há cerca de dois anos a esta parte, logo após as eleições autárquicas de 11 de Outubro de 2002".

A defesa considera o recurso como mais um "episódio" de uma verdadeira "saga" e recorda o que chama de "odisseia", começando pelo dia das eleições e pelo desmantelamento, no dia seguinte, do gabinete de trabalho de Teresa Amorim.

O sobe e desce de quem está pró e contra

Não são esquecidas as promoções da instrutora do processo (aliás rocambolesco dados os numerosos erros de que padece), Ivone Marinho, e do irmão, Paulo Marinho, assim como da testemunha arrolada pela presidente da Câmara num dos processos, o advogado de Barcelos, Domingos Lopes.

Destino bem diferente teve a testemunha arrolada por Teresa Amorim, como se conta no documento. Em causa está o economista Fernando Aleixo, a quem foi retirada a chefia da Divisão Administrativa e Financeira da Câmara Municipal de Caminha, que detinha desde 1987.

A alegada perseguição das testemunhas de defesa de Teresa Amorim conheceu entretanto novos episódios, como temos relatado, mais recentemente com uma atabalhoada tentativa de envolver uma ex-assessora e até o PS distrital em acontecimentos com que a autarquia se debate e que afectam a imagem do Executivo, há pelo menos dois anos sob investigação da Polícia Judiciária.

"O cinismo é, de facto, de espantar!"

Júlia Paula quer que Teresa Amorim permaneça na situação de despedia e jogou, junto do STA, a sua última cartada, sem sucesso. Pretendia também que Teresa Amorim não recebesse o ordenado a que tem direito, contrariando o que foi determinado pelo tribunal. A tese de que a ex-secretária é pessoa de recursos é repetida e os advogados da Câmara argumentam que, se no processo principal se vier a decidir que o despedimento não foi ilegal, será difícil recuperar as quantias entretanto pagas.

No entanto, o mesmo Vellozo Ferreira volta a argumentar que Teresa Amorim possui um vasto património e não precisa do ordenado para viver.

A defesa da ex-secretária não poupa semelhante argumentação: "o cinismo é, de facto, de espantar!". E vai mais longe, demonstrando claro optimismo sobre o desfecho do processo: "o requerente sabe que são tantos e tão graves os vícios do acto impugnado, que jamais poderia vir a ser proferida decisão no sentido que ele aponta".

Sobre o tão falado património, a defesa recorda que Teresa Amorim já se propôs doar à Câmara o património de que Vellozo Ferreira tem vindo a falar, de que até desconhece a localização, se Júlia Paula quiser. "E mantém essa proposta caso o recorrente esteja interessado!..."

Defesa acusa: há litigância de má-fé

Acresce que, durante a "saga", Júlia Paula suspendeu o pagamento do ordenado a Teresa Amorim e mandou comunicar aos serviços da Segurança Social que a funcionária se encontrava desvinculada da Câmara. Além da comunicação ao serviço ter sido precipitada, a indicação contrária não foi dada em tempo oportuno, cumprindo a decisão do tribunal.

Aliás, a Câmara até podia ter ganho algum tempo, se utilizasse a figura da resolução fundamentada e retardasse por 15 dias a decisão do tribunal favorável a Teresa Amorim. Não o fez e ninguém, neste imbróglio, percebe porquê, presumindo-se que os advogados se esqueceram da possibilidade.

A firma Vellozo Ferreira argumentou junto do Supremo que não foi feita prova dos "actos de execução indevida" (comunicação à Segurança Social e suspensão dos ordenados). Para a defesa de Teresa Amorim, este tipo de procedimento consubstancia litigância de má-fé: "O município não impugnou, verdadeiramente, qualquer desses factos, apenas se tendo refugiado na lamentável posição de que não foi feita prova dos actos de execução indevida, insistindo em tal posição no recurso, o que consubstancia mesmo litigância de má-fé, na medida em que o recorrido nega duplamente factos evidentes, que são pessoais e que o mesmo não pode legitimamente ignorar, muito menos impugnar".

A defesa explica a seguir, com palavras menos técnicas: "Resulta mesmo do senso comum que nem os Serviços da Segurança Social nem os Serviços Camarários por sua iniciativa própria, sem motivo aparente e 'por alma do divino espírito santo' procedem da forma que procederam no presente caso, (cancelamento da inscrição de um beneficiário e cancelamento do processamento dos vencimentos de um trabalhador, respectivamente), a menos que estejam legitimados para o efeito por meio de qualquer ordem, comunicação ou instrução nesse mesmo sentido, ordem ou comunicação que apenas pode ter partido do recorrente" (Câmara/Júlia Paula).

Júlia Paula não estará na Câmara para ver o final

Dois anos foram já consumidos na "odisseia" e o processo principal, em que se decidirá se o despedimento de Teresa Amorim foi ou não ilegal, não tem ainda data prevista para início. Quando houver uma decisão, ela é passível de recurso. Com estes dados, não é difícil prever que Júlia Paula não participará, como presidente da Câmara de Caminha, no desfecho do imbróglio que tem alimentado.

O caso, porém, está a afectar bastante a imagem da autarca, por um lado por causa do rombo nos cofres da Câmara (custas pagas em todas as nove derrotas judiciais e honorários com advogados), mas também pelo arrastamento da disputa. São já muitas as vozes que vêem no litígio um caso pessoal e portanto indefensável, quando se trata de gastar os recursos públicos.

O C@2000 sabe que os últimos desenvolvimentos, designadamente o envolvimento de outras pessoas que são testemunhas de Teresa Amorim, por parte da Câmara, em polémicas recentes, estão a causar bastante desconforto dentro do próprio PSD. Por enquanto tudo se passa em surdina, mas o PSD teme sofrer danos irreversíveis com mais este desgaste e sabe das especulações sobre as verdadeiras razões do litígio entre as duas mulheres, sendo versão frequente, como referimos, a das razões pessoais, eventualmente relacionadas com terceiros.

Falta saber se Júlia Paula, pressionada ou não, reserva nova surpresa, como aconteceu com o litígio mantido durante vários anos com a Águas de Portugal/Águas do Noroeste. A autarca disse, na última reunião, que "é melhor um bom acordo do que uma má litigância". Esta parece ter todos os ingredientes para ser classificada como má, até por ser dispendiosa e desgastante para a imagem da Câmara - a autarca pode, então, decidir pela coerência de pensamento. Será?