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CINCO NO BANCO DOS RÉUS DOIS FALAM DURANTE JULGAMENTO E TRÊS REMETEM-SE AO SILÊNCIO
NEGAM ACUSAÇÃO E ASSUMEM APENAS CONSUMO LINGUAGEM EM CÓDIGO REVELADA EM INTERCEPÇÕES TELEFÓNICAS
DETECTADOS CONTACTOS E ACTOS DE ENTREGA GNR DE V.P.ÂNCORA ACUSADA DE NADA FAZER Cinco indivíduos de Vila Praia de Âncora e Âncora, com idades compreendidas entre os 23 e os 31 anos, começaram a ser julgados no princípio desta semana no Tribunal de Caminha, dois deles acusados de tráfico de estupefacientes agravado e os demais de tráfico de menor gravidade. A audiência surge na sequência de uma rusga policial levada a cabo pelo Núcleo de Investigação Criminal de Viana do Castelo especializado no combate à droga, em 10 de Julho do ano passado, a uma série de residências nestas duas freguesias e Afife, envolvendo cerca de 90 polícias. DETENÇÕES E APREENSÕES Desta acção resultou a detenção de cinco homens, um deles em prisão preventiva em Viana do Castelo desde então, outro controlado na sua residência através de pulseira electrónica e os restantes compelidos a comparências periódicas no posto da GNR de V. P. Âncora. A GNR encontrou distintas quantidades de droga (haxixe, cocaína e ecstasy) e detectou cultivo de liamba em duas das habitações revistadas. Foram igualmente apreendidos diversos utensílios (moinhos, balanças, sacos de plástico, navalhas para cortar droga, armas proibidas, telemóveis, listas de eventuais "clientes devedores" e revistas de ensino de cultivo de droga, dinheiro) e referenciadas viaturas utilizadas pelos arguidos. Embora alguns dos detidos na ocasião já fossem conotados com o mundo do narcotráfico (dois deles já condenados por tal motivo em tribunal e um outro por desobediência qualificada e condução sob efeito do álcool)), as investigações iniciaram-se depois de a PJ de Braga ter recebido denúncias anónimas sobre a suas actividades, encaminhando-as para o NIC de Viana do Castelo. "ELES TENTAM PROTEGER-SE" As diligências iniciaram-se em 2005 através de acções de vigilância, filmagens, fotografias e, sobre tudo, escutas telefónicas validadas por juiz, as quais revelaram segundo a acusação do Ministério Público, uma linguagem em código utilizada para despistar as autoridades, quer no contacto entre os arguidos, quer entre possíveis "clientes", marcando encontros, escolhendo o produto, definindo quantidades e estabelecendo preços ou avisando da presença dos "bófias", além de estarem gravados pedidos de pagamento de dívidas e ameaças de represálias caso não as satisfizessem. Dois dos arguidos acusados dos crimes mais graves cuja moldura penal pode atingir os sete anos de prisão prestaram-se a falar, enquanto que os outros se remeteram ao silêncio até ao momento. ARGUIDOS NEGAM CÓDIGOS OU DIZEM "NÃO ESTAR LEMBRADO" Foram diversas as palavras e expressões contidas no despacho de pronúncia que deu azo a este julgamento a revelarem um código habitualmente utilizado no meio do narcotráfico e que os agentes da GNR ouvidos descodificaram perante o colectivo de juízes: "Tá-se bem" (uma forma de indicar ao comprador através de telemóvel que poderiam vir adquirir o estupefaciente) foi uma das expressões constantes dos autos, além de "cena", a que os arguidos confrontados com elas negaram ter qualquer conotação com tráfico de droga, dizendo tratar-se de conversas normais e em voga. Outras houve ainda em que deram as mais diversas explicações para elas ou disseram não se lembrarem, tais como "unha branca boa", "clara", "lampreias", "morangos", "aguardente envelhecida", "camisolas", "patela" "filmes, cassetes", "DVDs", "navalheiras", "laranjas", "meio k" ("é linguagem Internet", justificou um dos arguidos), " chocos" (termo muito utilizado pelos espanhóis disse a polícia e, segundo a acusação, alguns dos arguidos também se iriam abastecer a Espanha), "bolota", "Al Capone", "mão cheia", etc. Os agentes da GNR arrolados pela acusação referiram ser habitual este tipo de linguagem ("Eles tentam proteger-se", disse um deles) e explicaram o que é que significavam, acrescentando que certos termos usados no passado, como "chocolate", já deixaram de pertencer ao vocabulário dos traficantes devido à sua conhecida conotação com certo tipo de produtos. ZONAS CONOTADAS COM O TRÁFICO Descreveram os contactos que presenciaram entre alguns dos arguidos e os compradores, a troca de material junto a um salão de jogos, no redondo da Av. Ramos Pereira, em V.P.Âncora, ou o movimento nocturno sincronizado de carros junto do forte da Lagarteira com troca de algo que não puderam identificar mas de que não têm dúvidas do que se tratava. "NÃO FAZEM NADA" Quando uma das testemunhas de acusação descreveu o "negócio" à noite no Portinho, revelou tratar-se de um sítio perigoso devido à presença assídua de toxicodependentes. No seguimento das perguntas feitas por um dos advogados de defesa dos cinco, o agente acusou as autoridades de Vila Praia de Âncora de nada fazerem para combater o tráfico de estupefacientes, justificando tal atitude porque "talvez tivessem medo deles", o que provocou risos generalizados aos arguidos. CAIU-LHE DROGA Outro dos agentes descreveu ao colectivo de juízes um episódio ocorrido com um dos arguidos. Ao ser abordado pela GNR quando circulava em Vila Praia de Âncora com um rottwailler sem açaime, disse não possuir na altura documentos do cão, prometendo entregá-los ao fim da tarde. Quando se preparava então para os exibir junto ao posto do turismo, fê-lo tão desajeitadamente que lhe caiu uma placa de haxixe. Foi detido de imediato e revistado, sendo ainda encontradas seis "línguas" dentro de um tubo e cerca de 400 euros. Pouco tempo depois viria a ser apanhado na rusga que o levou agora perante este colectivo de juízes. ARGUIDOS FORA DA SALA NA AUDIÇÃO DE TESTEMUNHAS Após a audição dos polícias, dando lugar às inúmeras testemunhas (cerca de 20 que se assumiram como consumidores) de defesa dos arguidos, a delegada do Ministério Público (MP) apresentou um requerimento em que solicitou que os réus se ausentassem da sala durante os seus depoimentos, por recear que as ditas testemunhas "estivessem inibidas de depor com verdade" perante o tribunal, e criar-se "um clima de terror, tanto mais válido quanto em vários pontos da acusação constava uma mensagem" de um deles de teor "inequivocamente ameaçador", além de ser referido no inquérito ter havido testemunhas que "disseram expressar o receio de represálias por parte dos arguidos". Os advogados dos dois arguidos sob os quais recaem a acusações maiores contestaram o documento apresentado pelo MP. Um deles alegou que a audiência era pública e "em qualquer momento o arguido pode prestar declarações" e a existir pressão, seria das testemunhas e não dos arguidos, acrescentando que a ser admitido o dito requerimento, todo o público deveria também abandonar a sala. Aduziu ainda que a declarações produzidas em sede de inquérito seriam "inócuas" e não poderiam ser tomadas em conta pelo tribunal, além de, adiantou, de toda a prova produzida no processo "não houve ameaça concreta no decorrer do julgamento". Outro advogado referiu que durante o inquérito nenhuma testemunha dissera que "tinha receio ou estaria inibida" e uma delas nem sequer estava presente no julgamento, ressalvando ainda que a ser dado acolhimento à pretensão do MP, o tribunal teria de repetir posteriormente perante os arguidos as declarações dessas testemunhas. O defensor de um dos arguidos em cuja casa foi encontrada plantada cannabis, alegou nada ter a objectar ao requerimento, com a justificação de que o que viesse a ser dito pelas testemunhas não teria relação com o seu constituinte. Assinalou também que os arguidos estiveram proibidos de "participar em todas as diligências do processo" e que uma vez terminado o segredo de justiça, "têm agora oportunidade de se defenderem", resultando, na sua óptica, que tal medida "poderia pôr em causa a sua defesa". Por fim, vincou a ideia de que o aludido requerimento não se adapta ao novo Código de Processo Penal e poderia dar azo à invocação da nulidade do julgamento. A defensora de outro réu a quem também fora apreendida droga plantada em casa, disse igualmente não se opor, ao referir que as testemunhas em causa não tinham sido indicadas por ele, mas que exigiria a sua presença se alguma das testemunhas se referisse ao seu constituinte. O defensor do quinto arguido em cujo carro se fazia transportar outro dos acusados por não possuir viatura própria, não colocou qualquer objecção. O Tribunal viria a considerar "fundada" a pretensão do MP, alegando que Vila Praia de Âncora é uma "pequena localidade" em que todos se conhecem e estarem em apreciação factos referentes ao tráfico de droga, reconhecendo que a lei permite salvaguardar os depoimentos sem qualquer coacção, não vendo que a defesa do arguidos seja beliscada com tal medida, nem fora instada a "inconstitucionalidade" da decisão. TESTEMUNHAS DE DEFESA NEGAM TRÁFICO Com os cinco fora da sala, começaram a ser ouvidas as testemunhas, consumidoras de drogas leves, segundo disseram, ou que tinham deixado o ser há pouco tempo, negando que alguma vez tivessem comprado droga aos arguidos, rejeitando as conotações com o tráfico e os códigos gravados nas intercepções telefónicas, dizendo serem expressões da moda ou negócios mantidos com eles, sem que se relacionassem com o que eram acusados ou não se lembrando do conteúdo das chamadas gravadas. Disseram que fumaram haxixe em conjunto, partilhavam a droga (charros) e, por vezes, eles (alguns dos arguidos) "desenrascavam". Alguns foram a Espanha comprar droga para consumo próprio, juntamente com alguns dos arguidos, outros admitiram que um deles lhes emprestou dinheiro relacionado com negócios mas nunca com estupefacientes. Os que foram apanhados em conversas sobre dívidas ou constando os seus nomes da listagem de um dos arguidos descoberta pela GNR, justificaram-nas com outro tipo de negócios distintos dos que vinham acusados. Contudo, houve quem admitisse a compra de droga e os contactos estabelecidos para que fossem fornecidos. Para a semana continua a audição de mais testemunhas deste caso que parece ter ficado também marcado por uma fuga de informação que terá impedido resultados mais visíveis no decorrer da redada policial. |
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