Académico distinto e publicista de renome, José Joaquim Rodrigues de Freitas Júnior (Porto,1840-1896) é hoje sobretudo recordado como o primeiro deputado republicano eleito para o parlamento português em 1878, como candidato do Centro Eleitoral Republicano Democrático da invicta. Pouco lembrado é o seu percurso político no seio do partidarismo monárquico que o tinha anteriormente levado por duas vezes a São Bento e, menos ainda, o facto de ter sido primeiro eleito pelo Alto Minho. Com trinta anos de idade, Rodrigues de Freitas iniciou a sua carreira política em 1870 candidatando-se pelo Partido Reformista ao lugar de deputado pelo círculo nº 4, de Valença, que ao tempo incluía o concelho de Caminha, cujos interesses defenderia por diversas ocasiões em plenário. Foi eleito no dia 18 de setembro com 1807 votos contra os 1389 de Melo Gouveia que, um mês depois, seria ministro da Marinha do governo presidido pelo marquês de Ávila e Bolama cujo pendor centralista e autoritário — evidente no ano seguinte quando da célebre proibição das Conferências do Casino — o novo deputado reformista combateria com denodo, cedo se destacando pela fogosidade e sentido crítico.
A primeira intervenção de Rodrigues de Freitas na Câmara de Deputados referente a assuntos do concelho de Caminha realizou-se na sessão do dia 21 de novembro de 1870, escassos dois meses após a sua eleição. Como era costume parlamentar oitocentista, "mandou para a mesa" uma representação da câmara municipal caminhense que, por essa altura, tinha na sua presidência um muito ativo António Joaquim de Sousa Rego (futuro Visconde). Dizia respeito à necessidade de prolongamento do cais de Caminha:
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"Aproveito esta ocasião, porque está presente o sr. ministro das obras públicas, para novamente recomendar a s.exª. um negócio que respeita ao concelho de Caminha. A câmara municipal cobra um imposto de sal, estabelecido há muitos anos, e que tem aplicação a obras públicas do município; com o produto dele foram feitos reparos no cais, e na igreja matriz, que é uma das mais notáveis do distrito. Pretende a câmara, desde longo tempo, continuar o cais; mas não realiza seus justos desejos porque é preciso que a obra seja estudada por engenheiro mandado pelo governo....".
De assunto bem diverso foi a segunda peça oratória de Rodrigues de Freitas relativa a Caminha. Feita em plenário no dia 8 de fevereiro de 1871, incidiu sobre a velha aspiração do município em ser cabeça de comarca judicial, curiosamente em detrimento dos interesses de Valença: "Pedi a palavra para dar conhecimento de uma representação da câmara municipal de Caminha, a qual pede que naquele concelho haja um círculo de jurados". Prosseguindo, à laia de desculpa por passar a referir-se a temas de âmbito nacional,"...e mando a representação para a mesa: porém, acabando de ouvir dois oradores falar numa questão importante, deste lugar peço licença ao meu círculo para não me ocupar dele tanto como desejava e falar agora nos interesses da nação..." — diga-se, a propósito, que a reivindicação seria satisfeita quatro anos decorridos.
Entretanto, na sessão parlamentar de 2 de maio de 1871, Rodrigues de Freitas apresentava uma outra representação da câmara de Caminha, agora sobre um problema que então motivou o protesto de muitas autarquias, principalmente das de menor dimensão, que eram obrigadas a contribuir para o orçamento de serviços distritais de engenharia (neste caso, de Viana do Castelo), recentemente criados, sem depois terem o devido retorno em estudos relativos a obras públicas no seu território municipal, como acima se constatou com a ausência do necessário projeto para a continuação do cais da vila: "...mando para a mesa uma representação da câmara municipal de Caminha contra a lei de 30 de Outubro de 1868, que diz respeito à engenharia distrital, acompanhando assim as vozes de outros municípios do reino (...) Eu entendo que a engenharia distrital pode prestar grandes serviços nos distritos em que se acha, desde o momento em que for bem organizado; a câmara municipal de Caminha... diz assim que já despendeu a avultada quantia de 578$306 réis....que comparando isto com os 4 quilómetros de estrada estudados, resulta uma proporção aproximada de 155$602 réis por quilómetro ou quatro vezes e um quarto mais do que lhe custaria de outra maneira".
Por motivos decorrentes da instabilidade desses anos de indefinição partidária — ainda não se iniciara o perfeito rotativismo — a Câmara de Deputados foi dissolvida pelo rei D. Luís em Junho de 1871, tendo sido marcada nova eleição para o dia 9 de julho. Com fama acrescida pelo mérito demonstrado como parlamentar, Rodrigues de Freitas candidatou-se desta vez pelo círculo nº 13, do Bairro Oriental do Porto, sendo eleito com 1686 votos. Nem por isso deixou o deputado reformista de se interessar pelos assuntos dos constituintes de Caminha que até há pouco representara. Foi o que sucedeu no plenário de 19 de março de 1872, por uma vez não trazendo a debate uma questão oriunda da câmara municipal, bem pelo contrário, podendo até ser percebida como adversa aos interesses da autarquia. Tratou-se de um abaixo-assinado de um largo grupo de caminhenses, provavelmente ligado ao comércio marítimo, aduzindo razões contra a aplicação do atrás referido imposto de sal que o município mantinha desde o longínquo ano de 1843. Não se comprometendo inteiramente com a causa, Rodrigues de Freitas foi pelo menos seu fiel intermediário: "Mando para a mesa uma representação de 212 indivíduos pertencentes ao concelho de Caminha, contra o imposto de sal. Aos argumentos aduzidos na representação, parece-me que ainda poderão ser acrescentados outros, e quando o projecto for discutido, terei ocasião de dizer qual a minha opinião a respeito dele. Como pela barra de Caminha costumam entrar muitas embarcações carregadas de sal, de que se faz um comércio importante, principalmente com a Galiza, não é para estranhar que os habitantes do concelho de Caminha venham reclamar contra este imposto...".
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Democrata e reformista por convicção, Rodrigues de Freitas desilude-se com a Monarquia e evolui para o nascente republicanismo — antes ainda da fundação do PRP — e nas eleições de 1874 é como tal, mesmo que de modo não assumido, que se candidata novamente a deputado. Sem sucesso na eleição, regressa por algum tempo aos jornais e aos seus trabalhos académicos, voltando triunfalmente ao parlamento em 1878, eleito agora como deputado republicano, o primeiro no nosso país, beneficiando ainda do apoio do Partido Progressista. Homem de saber e elevados princípios, Rodrigues de Freitas deixou um legado de inteligência e integridade na história política e parlamentar portuguesa, honrando no seu século o concelho de Caminha ao ser, por diversas ocasiões, paladino das suas aspirações. Bom seria que os caminhenses de hoje, mais ou menos conhecedores da História Nossa, retribuíssem adequadamente, honrando a sua memória.
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Debates Parlamentares — Câmara dos Senhores Deputados da Nação Portuguesa (1822-1910) In http://debates.parlamento.pt/search.aspx?cid=mc.cd [consultado entre Dezembro de 2011 e Maio de 2013].
Livros de Atas da Câmara Municipal de Caminha (1870-1871; 1872-1873), AMC.
Jorge Fernandes Alves (1999). Rodrigues de Freitas. Intervenções Parlamentares (1870-1893). Lisboa: Assembleia da República / Edições Afrontamento.
Miguel Bandeira Jerónimo (2005). José Joaquim Rodrigues de Freitas In Maria Filomena Mónica (coord.). Dicionário Biográfico Parlamentar 1834-1910, Vol.II. Lisboa: Assembleia da República / Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Universidade do Porto (2010). Antigos Estudantes Ilustres da Universidade do Porto — José Joaquim Rodrigues de Freitas Júnior. In http://sigarra.up.pt/up/pt/web_base.gera_pagina?P_pagina=1006621 [consultado em 1 de Maio de 2013].