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Serra d'Arga

Conservacionistas tentam defender o lobo e população rejeita-o

Debate aceso e participado

"Temos direito a viver com dignidade", morador

"Lobo teve sempre uma carga muito negativa", conservacionista

A Corema organizou um debate na sede da Junta de Freguesia de Arga de Baixo, na tentativa de "procurar medidas e soluções que conciliem a defesa de vários interesses em presença: do lobo, dos habitantes da serra, dos proprietários e dos pastores", explicou José Gualdino, presidente deste associação ambientalista, no início da sessão que abarrotou o edifício, na tarde do passado Sábado (28/2), conforme adiantamos no próprio dia.

José Gualdino moderou um debate complicado, em que as interrupções dos oradores convidados para exporem os seus pontos de vista sobre uma problemática que se tornou actual, foram constantes.

O reaparecimento do lobo ibérico na Serra d'Arga há cerca de um ano e as investidas sobre os rebanhos de cabras e ovelhas nos próprios perímetros urbanos, vêm causando alarido e medo no seio das populações, não só das freguesias do concelho de Caminha, como de outros pontos da geografia minhota, como é o caso da Serra de Santa Luzia.

População quer medidas de protecção

A maioria do público presente estava mais interessado em manifestar o seu repúdio pela presença do lobo e saber quais as medidas protagonizadas pelas autoridades convidadas (ministério da Agricultura e Ambiente) para defender ao rebanhos e cavalos selvagens (garranos), do que em escutar o que os técnicos, investigadores e representantes das administrações tinham a dizer sobre os hábitos desse animal em risco de extinção, cujo abate é punido por lei.

Daí resultaram interrupções frequentes dos oradores, gerando-se diálogos bem acalorados, comentários duros, face a uma população serrana receosa da presença do lobo junto às suas casas e inconformada com a resposta tardia das autoridades na comprovação dos casos de abate do gado por acção do lobo, e respectivas indeminizações.

Plano de acção não saiu do papel

José Gualdino recordou que em Junho do ano passado tinha sido elaborado um comunicado subscrito por várias organizações de Portugal e Espanha, incluindo caçadores, exigindo um Plano de Acção que possibilite a "convivência" do homem com o lobo ibérico.

Em Portugal, haverá 56 alcateias, equivalendo a cerca de 300 lobos distribuídos pelo norte do país.

Desde logo, um dos principais focos de discussão árdua, foi a tentativa de caracterização do habitat do lobo como sendo, um deles, a Serra d'Arga, conforme defenderam conservacionistas e investigadores.

Os habitantes, por outro lado, consideram que o lobo é um animal de passagem (ver entrevista de Desidério Afonso, presidente da Associação de Caçadores da Serra d'Arga), e nunca esta montanha constituiu o seu habitat natural, afirmaram.

Octávio Pires, um das pessoas presentes na reunião, nascido nesta serra, disse ser "mentira" que a Serra d'Arga tenha sido alguma vez terra de lobos. Afirmou que tinha sido o " fascismo", por intermédio dos Serviços Florestais, que introduziu esta espécie em 1940.

"Eu nunca tive medo dos lobos"

Esta intervenção surgiu durante a exposição do director-regional de Agricultura do Norte, começando este por referir que "toda a vida convivi com lobos", na zona de Bragança, de onde é natural, referindo que estes animais chegaram a comer os cães da sua casa e tendo-os visto a cerca de "três metros da janela da nossa sala" mas, sem que representassem perigo para o homem. Exclamou que "eu nunca tive medo dos lobos", respondendo-lhe a assistência que, então, "leve-os para o seu quintal", ou para "o Parlamento".

Se esta afirmação originou burburinho na sala da junta, pior foi quando admitiu que o lobo pode ser uma fonte de prejuízos mas também de grandes oportunidades para que as pessoas ganhem dinheiro.

Os protestos e espanto ("Essa é boa!", disse alguém) apoderaram-se dos presentes, não acreditando que o turismo (de observação) destes animais possa constituir uma fonte de rendimento. Como exemplo, foi apontado o parque de Yellowstone, nos EUA (150.000 visitantes/ano), embora um dos presentes, ex-emigrante no Canadá e visitante por diversas vezes desse parque nacional, tivesse assegurado que o lobo raramente era avistado, ao contrário dos alces que eram muito apreciados pelos visitantes.

Gado sim, lobo não

"Nós queremos animais (gado) e não os lobos", exclamou alguém, ao passo que Octávio Pires perguntava ao representante do Ministério da Agricultura se "alguma vez se preocupara com o texugo", ou mesmo com o rato da serra (quase extinto), espécies autóctones da Serra d'Arga, assegurou.

Após ter conseguido retomar a palavra, o representante do Ministério da Agricultura preconizou como medida para proteger os rebanhos, a reintrodução dos cães de guarda. Há incentivos no valor de 350€ para quem pretender utilizar um cão de guarda, anunciou, a par de outras medidas dentro do programa "Leader".

O director-regional reconheceu que os prejuízos causados pelos ataques dos lobos são grandes mas defendeu uma nova visão para a Serra d'Arga, como forma de fixar as pessoas, em que a melhoria da cobertura da Internet e redes de telemóvel seriam decisivos na protecção dos rebanhos. Contudo, as suas palavras não caíram bem, sendo lançadas críticas ao Ministério da Agricultura por não defender os agricultores, como acusou um antigo presidente de Junta, sendo dado como exemplo a morte de 20 cabeças de gado de um rebanho, sem que tivesse sido indemnizado.

A questão das indemnizações também absorveu parte das queixas dos pastores/proprietários de gado.

Problema de telefones

As dificuldades em comunicar com o Serviço de Protecção da Natureza (SEPNA), a fim de solicitar a sua comparência nos locais onde se registam ataques do lobo, com a consequente morte de animais, foi um dos motivos de queixas, a par dos atrasos nas indemnizações :"fiquei sem 20 cabeças e ainda não recebi nada!", atirou, a propósito, um antigo presidente de Junta.

Câmara quer mediar

Da parte da Câmara Municipal de Caminha veio a vontade de intermediar entre a população vítima dos ataques dos lobos e a administração central. Foi estabelecido que os produtores vítimas da predação do lobo deverão contactar imediatamente o funcionário do Centro de Interpretação da Serra d'Arga, o qual informará a Câmara que, por seu lado, se porá em contacto com o SEPNA para que se desloque ao local e comprove a situação de modo a agilizar as indeminizações. Segundo reconheceu o responsável por estes serviços presente neste debate, um sistema desadequado nas comunicações impede que sejam atendidas de imediato as chamadas dos produtores deste gado afectados pela acção deste animal selvagem, levando a que desistam de telefonar.

Guilherme Lagido disse ter obrigação de conhecer bem esta problemática (foi director do Parque Nacional da Peneda-Gerês), reconhecendo que as indemnizações "não cobrem todos os prejuízos" e defendendo que se tomem mais precauções na protecção das ovelhas e cabras, de modo a obstar ao que vem sucedendo ultimamente, o que se torna "preocupante".

Deu números, dizendo que restam 750 ovelhas na Serra d'Arga, e o rebanho maior possui 39 animais, considerando ainda que o pastoreio se encontra "reduzido ao mínimo", porque os rebanhos "não vão à serra" e o lobo "desce", frisou.

Defendeu uma "articulação" com as associações de caçadores, na tentativa de manter as espécies selvagens que sirvam de alimento aos lobos.

"Lobo sempre teve uma carga muito negativa"

A Associação de Conservação do Habitat do Lobo Ibérico - co-organizadora deste debate -, definiu os ataques ao gado como "um regresso do lobo ao seu habitat antigo", no que foi contestado pelos habitantes da Serra d'Arga, tal como já tinha sucedido com o orador anterior, defendendo, no entanto, uma conciliação de interesses entre os produtores de gado e a defesa do lobo.

Da parte dos investigadores dos hábitos destes carnívoros, foi recordado que "o lobo teve sempre uma carga muito negativa" que se prolongou através dos tempos, consubstanciada nas próprias histórias escritas para contar às crianças.

Segundo revelou este investigador da Universidade do Porto, os lobos encontram-se em regressão desde 1930, chegando nessas épocas "às portas de Lisboa", após o que foi desaparecendo devido à pressão demográfica.

Francisco Álvares recordou que há seis anos atrás não havia lobos na Serra d'Arga e que o seu principal alimento em Bragança, Astúrias, Burgos e País Vasco eram as presas silvestres, nomeadamente os corsos, embora em grande parte de Portugal, as presas domésticas é que alimentam este animal.

"Falta gente na serra"

Como solução para evitar o abate do lobo (a tiro ou envenenado), sugeriu a instalação de cercas de protecção e cães de guarda, ao que lhe respondeu outro morador da serra que isso era viável "quando havia pastores", o que não sucede presentemente. Os proprietários de rebanhos são pessoas de certa idade que deixam os rebanhos à solta, perante a incapacidade de os acompanharem na pastorícia.

No fundo, é mais um reflexo do envelhecimento da população e da incapacidade dos jovens em fixarem-se na montanha, face à dificuldade em rentabilizar os recursos endógenos, levando um dos participantes nesta sessão a desabafar que "falta gente na serra".

Contudo, os residentes não aceitam a protecção preconizada para esta espécie, interrogando-se sobre "quem nos protege a nós?", conforme desabafou um deles, quando foi visionada uma batida ao lobo em que o próprio participara nos anos 50, referiu, na qual, as peças mortas chegaram a ser exibidas ou desfilaram nas Festas da Agonia, em Viana do Castelo.

Lobo sempre existiu na Serra d'Arga ou não?

Mas um dos temas centrais do debate foi a existência ou não de lobos na Serra d'Arga, com carácter permanente.

Foram dados exemplos comprovativos da sua presença permanente, os designados fojos do lobo (armadilhas em pedra para reter os animais e apanhá-los) dos quais existem quatro, sendo um deles o do Alto do Cavalinho.

Uma das monitoras do lobo referiu a importância desta espécie no eco-sistema da região, considerando-o um regulador da expansão do javali, por exemplo, mas logo contestada, por duvidarem que o lobo consiga apanhar o porco-bravo.

Aliás, a questão do abate do porco-bravo gerou outro tipo de discussão: mantê-lo para que sirva de alimento ao lobo ou permitir as montarias de modo a evitar os estragos que causa nas culturas?

Lobos migraram do Soajo

A forma como uma alcateia de lobos terá chegado até à Serra d'Arga e Santa Luzia, e como se alimentará se o gado estiver protegido, suscitou igualmente divisão de opiniões.

Segundo os conservacionistas e estudiosos do lobo, esta alcateia teria tido como origem o Soajo, após o que se terá "dispersado" pelas montanhas, até atingir a região. Embora tivesse de ultrapassar três auto-estradas, como foi recordado.

"Estão domesticados"

Teoria não aceite pelos locais, assegurando que o lobo foi reintroduzido recentemente, dando como prova o facto de não fugir do homem, podendo significar que terá sido criado em cativeiro, estando, por isso, habituado à sua presença ("domesticados", disse um autarca).

Lobos devem ser alimentados para que não ataquem gado

Sandra Costinha, natural de Arga de Cima, perguntou a um dos oradores, como é que os lobos se alimentariam se os rebanhos estiverem todos protegidos, recebendo como resposta que eles "desenrascam-se", procurando presas silvestres. Foi apontado o exemplo de Bragança, através da introdução de corsos que servem de alimento aos lobos.

Garranos em manada

Outra das preocupações das populações serranas prende-se com o desaparecimento de garranos por efeitos do lobo. Foi advogada a constituição de manadas com um máximo de 12 cavalos, para que se defenda melhor do lobo, bem como foi sugerida a existência de um garanhão em cada uma delas, de modo a "manter a manada coesa".

Uma representante da Associação de Garranos pediu igualmente ajuda para a preservação destes animais que vêm sendo dizimados pelo lobo, referiu, porque, "não podemos trazer os cavalos para casa", justificou.

"Temos direito a viver com dignidade"

Era aguardada com alguma expectativa a intervenção do representante do ICNF, o qual começou por admitir como um problema para a manutenção da bio-diversidade, o furtivismo. Defendeu a criação de zonas interditas à caça e gerir devidamente a actividade cinegética.

Prometeu discutir todos os problemas aflorados neste encontro com as populações. No entanto, outro dos presentes, residente em Arga de Cima, perguntou, qual era o apoio social dado às pessoas da Serra, cuja população serrana diminui a olhos vistos.

Referiu que das 76 cabeças que possuía, apenas lhe restam 16, prevendo terminar de vez com todas. Sem apoios, nem indemnizações, exigiu "o direito a viver com dignidade".


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