Júlia Paula, presidente do executivo caminhense, chegou a pedir a intervenção da GNR e ameaçou um munícipe ("vai ser responsabilizado no sítio próprio") de o levar a tribunal, devido à sua intervenção no período destinado ao público, ao dar-se início à reunião da Assembleia Municipal (AM) de Caminha do passado dia 28 de Junho.
Após ter sido dada a palavra a uma munícipe de Seixas que vem intervindo nos períodos reservados aos assistentes às reuniões de câmara e assembleia municipal, criticando os preços das facturas de água, saneamento e resíduos sólidos, Severino Sousa, presidente da AM em substituição de Francisco Sampaio, preparava-se para dar seguimento à extensíssima ordem de trabalhos da sessão de 28 de Junho, quando foi interpelado directamente por um munícipe que se deslocou do espaço reservado ao público até junto de si.
Armando Barbosa, um comerciante de pescado com bancas de venda de peixe no mercado municipal de Caminha - e que vem contestando o processo de atribuição de dois espaços neste equipamento municipal - , perguntou ao presidente da AM por que razão não lhe concedia a palavra.
Indignado, exibiu-lhe um documento que comprovava ter cumprido com o regulamento deste órgão autárquico no que toca aos pedidos de intervenções de pessoas não eleitas, disse-lhe que tinha pago o estipulado para a entrega do requerimento, pelo que exigiu que lhe fosse dada a palavra.
Visivelmente atrapalhado com a situação, Severino Sousa disse não possuir o documento entregue pelo munícipe, mas após analisar a cópia autenticada e entregue na altura pelo interessado, reconheceu a sua validade, atribuindo o lapso a uma eventual falha dos serviços, não lhe restando outra alternativa que não fosse conceder a palavra a Armando Barbosa.
Cartaz incendiou os ânimos
Este falou de história e de literatura e pretendeu colocar um cartaz em frente da mesa onde se encontrava a vereação, o que originou protestos de Júlia Paula e burburinho no seio da assembleia nada habituada a estas situações mas que são comuns noutros países como em Espanha, país onde o comerciante viveu durante algumas dezenas de anos.
Armando Barbosa pretendia esclarecer com esse cartaz a conversa que disse ter mantido com o vereador Flamiano Martins e com uma funcionária camarária, mas após a confusão gerada, acabou por retirá-lo.
Prosseguindo a sua intervenção, o munícipe residente em Seixas dirigiu-se ao vereador Flamiano Martins recordando-lhe a conversa mantida com ele e a falta de resposta a uma carta, provocando novo sururu, com a presidente da Câmara a sobrepor-se ao presidente da AM, alegando que o munícipe não podia interpelar directamente o edil.
Perante os protestos do munícipe, dizendo que não podiam cortar-lhe o direito de falar, Júlia Paula chegou a dizer que "a gente tem que chamar a GNR e o senhor tem de sair de uma maneira ou de outra".
"Corrupção" - palavra temida
Ligeiramente acalmados os ânimos, Armando Barbosa prosseguiu a intervenção mas de novo rebentou a polémica quando denunciou a "falta de transparência" manifestada pela câmara em relação à sua pessoa, devido à questão das bancas e às conversas que teria mantido com o vereador e a funcionária (que identificou), e ao apontar a existência de "tratos partidários" e, "para ser mais exacto", completou, disse haver "corrupção".
Inconformado com toda a situação gerada antes e no decorrer desta reunião (nomeadamente por não ter aparecido o requerimento entregue atempadamente para usar da palavra), Armando Barbosa disse que "não há ninguém, nem caralho nenhum" que o impeça de falar, gerando-se nova celeuma, levando Severino Sousa a ameaçar interromper a sessão.
No decorrer de nova troca de palavras registada em mais um período quente deste princípio de reunião, Júlia Paula disse que o munícipe tinha insultado o vereador Flamiano Martins, originando novo protesto do visado.
Pretendendo usar da palavra concedida por Severino Sousa, Júlia Paula pediu ao presidente da AM que chamasse os agentes de autoridade no caso de não existirem condições para o fazer "porque não estou para aturar isto", exclamou.
A presidente do município reputou de grave o sucedido e acusou o comerciante de pescado de estar a ocupar indevidamente as bancas do mercado, sem que os serviços (de fiscalização) interviessem ("fecharam os olhos", disse) por considerarem ser o ganha-pão desses comerciantes.
Concessões caducadas
A autarca admitiu que todas as concessões "estão fora da lei" incluindo as de Armando Barbosa, a quem a acusou de possuir várias bancas em nome de familiares e de pretender "impor a sua ilegalidade".
A autarca assegurou que a câmara respondera aos requerimentos apresentados pelo comerciante e a resposta negativa que obtivera se ficara a dever ao estipulado nos regulamentos do mercado e feiras.
Após estes considerandos, Júlia Paula admitiu que os "insultos" produzidos eram dirigidos não aos vereadores mas à própria Assembleia Municipal que tinha aprovado os regulamentos, dizendo ainda haver "inveja" entre os concessionários do mercado e aconselhando-os, por isso, a "entenderem-se".
"Bandalhice"
No final do seu discurso, Júlia Paula apelidou de "bandalhice" a situação gerada, refutou a acusação de "corrupção" e considerou propositada a presença do munícipe, levando-a a concluir que muito proximamente se comprovariam os motivos desta intervenção.
Severino Sousa pediu mais senso, calma e respeito no futuro, para que não fosse obrigado a suspender os trabalhos das reuniões.
"No respeito pelo regulamento"
Antes de dar por terminado este período agitado, Flamiano Martins pediu para falar, não em defesa da honra "porque toda a gente me conhece e sabe como eu sou".
Seguindo as palavras da presidente, admitiu que a presença e intervenção do munícipe teria "outros objectivos" e que sempre atendera Armando Barbosa. Se ele não gostara das respostas obtidas, fora simplesmente porque os serviços assim o entenderam, no "respeito pelo regulamento".