O Bloco de Esquerda foi o primeiro partido a promover em Caminha um debate sobe a reforma administrativa autárquica que o Governo pretende implementar.
Com um prazo inicial até final de Janeiro para que freguesias e municípios se pronunciassem - o que não veio a acontecer -, a contestação suscitada, a falta de rigor do documento, as dúvidas existentes e a rejeição imediata dos municípios à ideia de se fundirem, contribuíram para que o processo de revisão da administração autárquica se confinasse às freguesias - o parente mais fraco do Poder Local.
Carlos da Torre, dirigente local deste partido, justificou a escolha num autarca independente para orador do debate, o que facilitou outras opções, e fez votos, a abrir a sessão, "por uma questão de princípio" para que "não deixemos cair os mais fracos", em alusão às freguesias, nomeadamente as mais pequenas.
Rui Fernandes, presidente da Junta de Freguesia de Lanhelas eleito numa lista independente, foi assim convidado para exprimir a sua opinião sobre o papel das juntas de freguesia junto das comunidades que as elegem, bem como expressar-se acerca do que se conhece das intenções governamentais nesta matéria.
"Somos uma ferramenta essencial para uma freguesia"
Embora com inúmeras dúvidas em relação ao que o ministério da tutela verdadeiramente pretende, ("Nem sabemos se nos vamos juntar a outra freguesia ou não"), Rui Fernandes explanou o papel da sua junta, salientando "o que poupamos às pessoas" face à "grande proximidade" com a população.
Considerou a eliminação ou junção dos orgãos autárquicos das freguesias como "um atentado a um conjunto de serviços gratuitos que prestamos", designadamente aos mais desfavorecidos e que representam "80%" dos que os procuram.
Um mero atestado, a colocação do selo branco da autarquia num documento servindo como prova de vida que um antigo emigrante necessita a fim de poder continuar a receber a sua pensão, e outras situações semelhantes, são alguns dos contributos das juntas de freguesia.
O autarca lanhelense evocou ainda o "passado histórico importante" de muitas freguesias ("algumas já existentes no século X, ainda antes da fundação da nacionalidade" como recordou Pedro Soares, responsável nacional do BE e igualmente presente neste debate) e outros contributos prestados à comunidade, apontando também como exemplo a manutenção e limpeza dos lavadouros públicos a que os mais necessitados acorrem já em grande número em época de crise como a actual.
Aludiu também à disponibilidade patenteada pela sua junta às colectividades locais, grupos de moradores, acções de formação e actividades culturais, na cedência de instalações onde possam desenvolver os seus trabalhos e projectos dos quais Lanhelas se tem orgulhado.
Concluindo, o autarca lanhelense desabafou que "isto que querem fazer é andar para trás 100 anos!", apelando à existência de uma posição única final, das 20 freguesias do concelho de Caminha.
"Freguesias são quase uma loja do cidadão"
Na sua intervenção, Pedro Soares criticou a forma como o Governo abordou esta reforma, anunciando "um conjunto vasto de propostas concretas e outras muito vagas".
Admitiu a necessidade de reorganizar o território, em que 2/3 da população se concentra na faixa litoral entre Braga e Setúbal, num país com três milhões de hectares de área agrícola por trabalhar e em que o interior se desertifica progressivamente.
Expressou opinião de que esta reforma "deveria ser amplamente debatida e não apenas centrada na extinção das freguesias", mostrando-se apologista de uma verdadeira "descentralização", porque, disse, a não ser assim, o que se passa "é um bloqueio às próprias reformas".
Recordou que a designada "troika" apenas refere haver necessidade de reduzir autarquias, tendo optado o Governo por criar um "Livro Verde" que acabou por sair derrotado "pela oposição das juntas de freguesia, pela falta de debate e de conhecimento da realidade", apenas esperando que "não esteja tudo já traçado".
Após defender ampla discussão com a população e a realização de referendos, de modo a que a Assembleia da República tome uma decisão com conhecimento de causa, manifestou receios de que surjam conflitos, quando "devemos ser solidários entre todos", assinalou.
"Eles (troika) não sabiam que cá havia freguesias"
Do debate que se seguiu, os presentes tiveram oportunidade de dar alguns contributos, como foi o caso de Fernando Lima, deputado municipal, definindo o "Livro Verde" de uma autêntica "aberação", por, no seu entender, ter sido elaborado por pessoas que nunca foram autarcas, temendo que se torne um "atentado ao Poder Local" e "mata a regionalização", profetizou.
O deputado municipal socialista manifestou também o seu repúdio pelas nomeações para os conselhos de administração das comunidades intermunicipais e áreas metropolitanas.
Considerou "intocáveis" as freguesias rurais a admitiu problemas graves entre elas, resultantes da aplicação de uma lei ainda com contornos indefinidos, aguardando pelas decisões do conselho de ministros da passada Quinta-feira.
"Temo guerra"
Outro participante no debate, Júlio Afonso, presidente da Junta de Freguesia de Azevedo, e que já no decorrer da anterior governação se tinha insurgido contra as propostas e ideias que iam sendo lançadas desde Lisboa, a par das primeiras medidas tomadas ainda no tempo de Salazar, manifestou o seu receio de que se esteja a gerar uma "guerra" entre as populações, havendo já ameaças de destruição de sedes de juntas se as extinções forem avante.
Júlio Afonso lamentou ainda a falta de competências nas juntas de freguesias.
"Quem se vai juntar a quem?"
Na opinião de José Carlos Silva, outro dos sete presidentes de junta presentes neste debate, estas leis são lançadas por quem "não está nas juntas, nem vê as preocupações" com que se debatem.
Recordou que "nós estamos sempre disponíveis"(…)"conhecemos bem os problemas das nossas terras", mostrando-se céptico quanto à eficácia de eventualmente juntarem três juntas numa só para tratarem dos problemas de todas.
Lamentou que se comece "pelo elo mais fraco", aquele que tem precisamente menor peso no Orçamento de Estado, interrogando-se sobre quem se vai juntar a quem, temendo pelas "rivalidades" que se possam gerar com as extinções e fusões.
"Isto preocupa-nos bastante"
Sónia Fernandes, presidente da Junta de Freguesia de Vilar de Mouros, a autarca presente neste debate e que menos experiência possui das lides autárquicas, frisou que actualmente, além das competências inerentes à própria lei, a câmara acaba por incumbir mais competências, referindo, contudo, as questões sociais que a própria Junta muitas vezes se vê forçada a "mediar".
Assim, deu ênfase à "proximidade" existente os autarcas de freguesias e população, nomeadamente a mais carenciada, temendo que os casos sociais problemáticos se agudizem, no caso dessa ligação se perder, alertando ainda que as pessoas de mais baixos recursos económicos terão de "acorrer a alguém" para obterem apoios.
Sónia Fernandes referiu-se ainda à importância da "história" da sua freguesia e de muitas outras, afiançando que "não conseguirão" tirá-la, mostrando-se ainda receosa quanto à forma como serão administradas as freguesia no caso de virem a ser obrigadas a juntarem-se
Perigo do poder concentrado
Outro dos presentes, com 20 anos de experiência dos orgãos de freguesia, Basílio Barrocas enfatizou não existirem discordâncias significativas entre os presentes, mas alertou para o perigo de possível aumento do poder concentrado.
Recordou que é nas votações das freguesias onde se nota mais a escolha das pessoas, pedindo mais competências e verbas para elas, mesmo que seja à custa dos orçamentos camarários.
"Há aqui uma agenda escondida!"
Ouvir as pessoas, definir competências, criar projectos comuns sem necessidade de extinguir qualquer freguesia, foram algumas ideias lançadas pelo deputado municipal socialista Miguel Gonçalves.
Louvou a iniciativa "suprapartidária" realizada nessa tarde e considerou "oportuno" o debate lançado, porque em lugar de terem avançado pela redução de municípios ("tubarões"), conforme a "Troika" previra, "passaram para as "moscas" (freguesias), designação utilizada anteriormente por Basílio Barrocas.
Miguel Gonçalves suspeita que "há aqui uma agenda escondida", e não haver "respeito" pelas tradições e território.
"É uma reforma de cima para baixo"
Paulo Bento, deputado municipal pelo BE, insurgiu-se contra a possibilidade desta reforma administrativa estar a ser dirigida "por gente que está lá em cima e decide de cima para baixo", evidenciando opinião de que "não se mexe no território sem as pessoas decidirem".
Contra "os cantos de sereia" que pretendem dar mais competências às comunidades intermunicipais que não são sufragadas pelas populações, Paulo Bento repisou que "não se deve deixar cair qualquer freguesia sem que o povo decida".
O deputado municipal considerou ainda importante a realização deste debate (o primeiro realizado no concelho de Caminha), mesmos ante de o Governo dizer concretamente o que pretende, rejeitando qualquer tipo de "chantagem" que pretendam exercer sobre as populações e autarquias.
Escolas primárias foram o primeiro alerta
Um dos presentes recordou que o processo em curso se iniciara já com a eliminação das escolas primárias com o pretexto do reduzido número de alunos. Adiantou que a EU está contra as eleições de base.
Ataque "feroz" ao Poder Local
A insistência no ataque "feroz" ao Poder Local foi retomada por Sebastião Torres, apontando como exemplo a proposta dos executivos municipais monocolores, no que foi seguido por Pedro Soares, dirigente nacional do BE, ao referir o avanço de "um ataque à democracia local, apontando igualmente a concentração de poderes nas CIM que "não são eleitas", frisou.
Apontou o dedo ao ministro Miguel Relvas ("A troika tem um nome", denunciou) e considerou o documento verde como "tecnicamente muito fraco", ao não apontar, inclusivamente, um diagnóstico.