Festa, flores e passarinhos, em casa dos nossos vizinhos, lá diz o adágio popular. E, na verdade, após a festança do "Dia do Pescador", bem cedo se ofuscou o horizonte e os mais justos sonhos dos pescadores inesperadamente se turvaram.
- Há vinte anos que nos andam a prometer o desassoreamento, D. Gambozino! E agora que estava em curso, e em fase adiantada, é que mandam suspender os trabalhos de dragagem do canal de acesso ao cais da Rua. Não há direito - gritaram os pescadores.
- Não me digam que, tendo começado essa intervenção em Novembro, ainda não está totalmente concluída. Já lá vão sete meses…
- É que não é fácil, D. Gambozino. Há que ter em conta o estado do estuário…
- As condições do rio em toda a sua conjuntura. - Que estudos foram feitos nesse sentido?
- Não sabemos, nem somos técnicos.
- Previamente, deveria uma equipa técnico-científica, credível independente e séria, ter procedido a um rigoroso diagnóstico de toda a complexa situação, com um consequente e aprofundado estudo, em ordem a uma global e integrada aplicação da mais adequada estratégia, com definição de medidas ajustadas que salvaguardem a vida do rio com sua natural diversidade piscícola.
- Vossa Majestade sabe que nós não temos culpa. Nem imaginamos o que possa acontecer.
- O que houve foi precipitação, foi a pressa de agir, sem estudos concretos conhecidos, para fins de poder sobejamente conhecidos. E, entretanto, só resta, como solução de remedeio, para minimização de vossa rude e dura actividade, a permanência de uma draga que actue diariamente, como acontece com o canal do "ferry", até que haja coragem para agarrar, como vocês dizem, o touro pelos cornos.
- Não estará Vossa Alteza a exagerar?!
- Claro que não. Os vossos alcaides já o deram a entender: que tudo conseguiram no tempo em que o poder central era da mesma cor, com o mesmo objectivo de poder, objectivo eleitoralista, num "tu cá tu lá", mas que agora se acabou esse dito colo e respectivo beberão.
- Quer Vossa Majestade dizer que temos de ir para a luta, que temos de exigir uma draga em exclusivo para o nosso canal.
- Com certeza. Mas cuidado. Ou assumem, como princípio de vossa acção, o lema do "antes quebrar que torcer", nem que seja à solha, ou perdem o tempo por completo.
- Vamos organizar a coisa, D. Gambozino.
- E tenham em conta que este vosso (des)Governo está decidido a acabar com os privilégios, o que seria de louvar. Só que, para ele, os direitos são privilégios. O direito ao trabalho é um privilégio, porque há muitos desempregados; o direito a um horário de trabalho é um privilégio, porque os agricultores não têm horário de trabalho; o direito à habitação é um privilégio, porque há os sem abrigo a dormir na rua; o direito a um salário é um privilégio, porque há muitos que nada ganham; o direito a comer é um privilégio, porque há muitos que passam fome e miséria; o direito a estar vivo é o maior dos privilégios, porque há quem não tenha dinheiro para médico e medicamentos e assim morrem; e o vosso direito a exigir a draga é um privilégio, porque os agricultores não têm direito a um canal para regarem os campos em abundância; etc., etc. Têm um (des)Governo preparado para acabar com tudo isto. Com tudo isto, e mais alguma coisa, como breve brevemente irão ver.
- Mesmo assim, não vamos desistir da nossa reivindicação.
- Força! Assim é como é. E bem sabem quem sempre esteve convosco, em Bruxelas, contra o abate de embarcações, e a redução das milhas da nossa costa. Boa sorte!