Miguel Alves, ao apreciar o Entre Margens que decorreu no passado fim-de-semana em Caminha, classificou o evento como "sem paralelo no norte do país", trazendo até cá "o topo da música tradicional portuguesa" e conseguindo reunir entre 60/70 pessoas nas quatro sessões de aprendizagem.
O autarca, comentando este evento no início da reunião camarária realizada em Vila Praia de Âncora na passada Quarta-feira, assegurou que esta iniciativa lançada no ano passado conseguiu afirmar-se, sendo prova disso a presença de uma equipa de reportagem da SIC, tendo apresentado um documentário no telejornal, apesar de decorrem em simultâneo noutros concelhos do Alto Minho a Festa do Alvarinho e a da Senhora do Minho.
Comparando a edição deste ano com a anterior, Miguel Alves realçou a evolução e qualidade registadas em termos de participação de convidados, bem como a assinalável presença de público nos espectáculos proporcionados, concluindo, por isso, que ainda existe "muita margem de progressão".
O certame concluiu com um encontro de tocadores de concertinas e cantadores ao desafio, embora durante os três dias, estes se tenham espalhado pela vila, bares e esplanadas, desafiando as suas gargantas para gáudio dos apreciadores.
O caminhense Francisco Caldas, tocador de gaita de foles - entre outros instrumentos -, principal responsável pela presença de construtores de instrumentos populares no evento, evidenciou-nos a sua satisfação pelo aumento destes artesãos portugueses e galegos (triplicou o número).
Assinalou o facto de terem aparecido muitas pessoas de férias em Caminha, pretendendo assistir às oficinas de ensino dos instrumentos de tocadores, sem que estivessem inscritas, o que "nos obrigou a improvisar e a permitir que o fizessem durante uma ou duas horas, sem que interferissem nestas oficinas pedagógicas", em que se destacavam os luthiers (artesãos construtores ou reparadores de instrumentos).
Portugueses inventam ponteiras de gaitas electrónicas

Referiu a presença de quatro construtores de gaitas de foles galegas e transmontanas; três de cordofones (instrumentos de cordas, como os cavaquinhos e violas), de Braga e Viana do Castelo; um construtor de sanfonas (Vigo), a par de um outro português que constrói também outros instrumentos; uma empresa de Braga, construtora de bombos; duas artesãs de pandeiretas provenientes de Vigo; e jovens engenheiros da Universidade de Aveiro, inventores de um ponteiro de gaita electrónica ("trino-instruments") para todas as tonalidades e "com o som de todas as gaitas do mundo", frisou Francisco Caldas, entusiasmado com esta tecnologia de ponta portuguesa, e que "pelo segundo ano estão connosco", assinalou.
As oficinas pedagógicas luso-galaicas mereceram um relevo especial neste encontro de sons de música popular e tradicional dos dois países.
Francico Caldas explicou que em cada aula de instrumentos, existia uma pessoa dedicada a ensinar a música tradicional - para que a técnica não se perca, atendendo a que são pessoas já com uma certa idade". A par deste técnico de música, houve um pivot, um músico, que fez a ligação aos alunos inscritos.
Cada aula teve entre 10 a 20 alunos - afora os que pediram simplesmente para assistir -, tendo funcionado uma formação de dança galega no salão dos Bombeiros; nas instalações dos Paços do Concelho houve aulas de desgarrada e regueifa galega (o correspondente português); a sanfona e cantares a cego foram acolhidos no edifício do antigo posto de turismo; e, na escola primária e Caminha, a gaita de foles galega mas com um tocador português utilizando essencialmente o reportório do Minho.

Este intérprete, actualmente perto dos 80 anos, possuía a particularidade de ter sido um palhaço no antigo Circo Mérito, onde tocava serrote, tornando-se posteriormente em tocador de caixas e gaitas em grupos de zés-pereiras. Completaram este naipe, o pandeiro galego, as adufeiras de Salitre e de Monsanto com os seus cantares da Beira Baixa.
Francisco Caldas reconheceu a existência de um surto de interesse pelos instrumentos populares, levando a um recrudescimento dos construtores e à certificação de algumas escolas do ensino básico nesta área musical.
Music Trade é experiência caminhense
Este apaixonado pela música popular é um dos impulsionadores do grupo Music Trade. Reúnem-se aos sábados de manhã, na sede da Junta de Caminha/Vilarelho. Os seus componentes, na sua maioria, são miúdos e adultos com mais de 60 anos, confidenciou-nos.
Analisando a concentração do evento deste ano na Pr. Calouste Gulbenkian, considerou-a uma decisão acertada, evitando-se a dispersão registada no último ano, tal como a alteração de datas, para que se evitasse uma pretensa ligação à Feira Medieval, o evento que se seguiu em 2014 ao Entre Margens. Referiu que a marcação deste encontro da música e instrumentos tradicionais de Portugal e Galiza no início de Julho, logo a seguir aos Santos Populares, consegue ser também a mais apropriada para os tocadores e artesãos, ainda pouco assoberbados pelos convites que os assediam durante o verão.
José Moças recordou passagem pela Rádio Regional Caminhense

Entre as presenças inovadoras no Entre Margens deste ano, foi a de José Moças, regressado a Caminha após uma presença de três anos em meados dos anos 80, quando, acabado de casar, foi colocado como escrivão do Tribunal da Comarca de Caminha.
A sua paixão pela música tradicional levou-a até à então Rádio Regional Caminhense acabada de iniciar a sua actividade enquanto rádio "pirata", tal como as demais, onde produziu o programa "Volta ao Mundo em 180 Discos".
"Só não fiquei em Caminha porque me convidaram para Macau"
Aqui começou a sua aventura radiofónica - "uma experiência engraçada", assim a classificou -, ampliada mais tarde, quando aceitou o lugar de escrivão em Macau, tendo colaborado a partir de então, de uma forma mais abrangente na Rádio Macau, levando-o mais tarde a reformar-se e a abraçar um projecto profissional radiofónico no Oriente.

Admitiu que já no ano passado esteve para participar no Encontro de Tocadores, mas motivos pessoais levaram-no a adiar para agora este regresso a Caminha, "onde até fiz uma palestra sobre o fado".
"Tradisom"
Mas, a sua presença na segunda edição do Entre Margens, deveu-se essencialmente ao projecto lançado há alguns anos, editando música tradicional através da "Tradisom", sediada em Vila Verde, Braga, que "apesar de ser uma editora pequenina, é a que mais se tem preocupado com a recuperação do nosso património".
De entre as várias edições, "há três de que me orgulho muito", apontando a colecção oficial de 12 discos do Pavilhão de Portugal na Expo ("Viagem dos Sons"), trabalho feito por vários especialistas a nível mundial, sobre "aquilo, que nós, portugueses, levamos para o mundo no tempo dos Descobrimentos", nomeadamente, para Goa, Malaca, Macau, Ceilão, Timor, Cabo Verde, Moçambique ou Brasil.

Referiu que muitas dessas músicas e canções ainda se cantavam em português ou já misturadas com dialecto, como é o caso do Patoá Macaense ou PatpiacCristangue.
Outra edição que pretendeu distinguir dentro das que já promoveu, foi a filmografia de Michel Giacometi, "O Povo que Canta" e, mais recentemente, a recuperação de gravações antigas do fado ("Arquivos do Fado" e "Memórias do Fado") desde os anos 20 e 30, conseguindo reunir cerca de 6.600 discos exclusivamente portugueses.

Definiu a sua actividade como "uma grande paixão e dedicação", se tiver em conta que não ganha muito dinheiro com ela, tentando "recuperar aquilo que as instituições não fazem".

A par da discografia, edita livros relacionados com a música tradicional, apontando um, inédito, relacionado com as primeiras gravações feitas em Portugal em 1939/40, por Hermano Lester, precursor de Michel Giacometti. Já este ano, editou um CD dedicado aos 40 anos da Brigada Vítor Jara, e que se esgotou rapidamente.
Manteve durante os três dias do evento, uma das barracas de venda e promoção de tudo o que se relaciona com este tipo de música.
"É fantástico participar nestas coisas"

Considerou o Entre Margens "uma oportunidade de mostrarmos o nosso trabalho, estabelecer novos contactos e criar novas ideias", apontando, como exemplo, um projecto proposto por um amigo da Galiza, como uma oportunidade de desenvolver outras actividades no campo da música e manter "um convívio entre gente que tem a mesma paixão", concluiu.