Jornal Digital Regional
Nº 488: 1/7 Mai 10
(Semanal - Sábados)






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Lanhelas

Dia da Freguesia
serviu para recordar figuras e episódios do passado

Cantigas ao desafio recolhidas pelo investigador Abel Viana em Lanhelas reproduzidas pelo grupo cénico

-Sabia que a luneta (panneau) existente no hemiciclo da Assembleia da República contempla a figura do constitucionalista lanhelense José António Guerreiro? E que a lenda apontando os habitantes de Vilar de Mouros e Sopo como "traidores" durante a Guerra da Restauração não passa disso mesmo: -uma Lenda "negra"? Ou que a frase que define o espírito dos lanhelenses é "Testa direita, Viva Lanhelas" e não "Testa Alta, Viva Lanhelas"? Ou ainda que o lanhelense António Luís Fetal Carneiro foi administrador do concelho de Caminha durante 20 anos? E que João de Sá Sottomayor (o último senhor da Casa da Torre) salvou a Laje das Fogaças? Quanto à fundação da Banda de Lanhelas: 1 850 ou 1876?

Tudo isto e muito mais foi escutado com particular atenção e boa disposição por todos os lanhelenses que acorreram na noite do passado Sábado (dia 24) ao salão da Casa do Povo, onde decorreu uma palestra sobre a História de Lanhelas promovida pela Junta de Freguesia, a cargo do professor e historiador Paulo Torres Bento.

Fazendo-se valer da sua capacidade de comunicação e dedicação à investigação histórica local, o orador divulgou algumas "notas soltas"que foi recolhendo ao longo dos últimos seis anos em que leu todas as actas camarárias disponíveis, bem como toda a imprensa regional dos séculos XVIII e XX, em que "se cruzou" com notícias de Lanhelas que foi apontando e lhe permitiram apresentá-las no Dia da Freguesia.

"A vida do povo e do dia-a-dia"

Aproveitou para apelar aos habitantes desta freguesia para que procedam "quanto antes" à recolha oral de toda informação ainda existente, tal como tem vindo ser feito em Vilar de Mouros (o orador é membro activo do GEPPAV que já procedeu a entrevistas a mais de 20 vilarmourenses idosos), de modo a que muita informação importante não se perca em definitivo por não existir o seu registo escrito, sendo assim possível "preservar a memória oral dos mais velhos", precisou Paulo Bento.

Lenda "negra"

A palestra que cativou os presentes, começou com uma alusão à celebração do próprio Dia da Freguesia (23 de Abril) e a uma lenda que ele classificou de "negra" e que "espantosamente" persiste nos dias de hoje, tendo sido alvo de sucessivos desmentidos registados em textos ao longo dos tempos, mas que não foi suficiente para acabar com ela.

Aludiu ao óleo existente na Igreja de Lanhelas - em que se vêem habitantes de Sopo e Vilar de Mouros nos montes circundantes de Lanhelas - na célebre refrega com os castelhanos verificada nas margens do rio Minho a 23 de Abril de 1644, quando estes tentaram invadir Portugal através desta aldeia capitaneados pelo Comandante Toro (ou "Feiticeiro"), salientando Paulo Bento não ser verdade que as populações das freguesias vizinhas não tenham contribuído para repelir as tropas estrangeiras.

Referiu que no século XVIII, o cronista lanhelense Bento Barbosa Caldas (posteriormente complementado por um filho) voltara a "alimentar" essa lenda, através de uma crónica a que o orador acedera, em que já aludia às solhas de Lanhelas e elogiava a bravura dos seus moradores, apresentando dados (exagerados) sobre o número de assaltantes invasores (900, o que representaria quatro espanhóis para um português), quantidade de mortos (600), presos (150), feridos (50), tendo conseguido fugir uns 100.

Essa crónica apontava ainda para 105 moradores no ano de 1739 na freguesia de Lanhelas, falava da realização de clamores à Capela de S. Martinho e da razia provocada pela peste trazida por um habitante de Baiona que teria reduzido a população a umas sete casas à volta da Capela de S. Gregório.

José António Guerreiro imortalizado em pintura da AR

Em termos de figuras relevantes desta freguesia, destacou a importância "parlamentar notável" de José António Guerreiro nas Constituintes de 1820 (Liberalismo), cuja figura ficaria imortalizada 100 anos depois, quando o pintor galego mas naturalizado português, Veloso Salgado, foi incumbido de pintar um quadro da actual sala de sessões da Assembleia da República (AR) para assinalar o 1º Centenário das Constituintes.

Este quadro (luneta ou panneau, com 22x5 metros) encontra-se colocado por cima (junto ao tecto restaurado pelo arquitecto seixense Ventura Terra) da Mesa da AR, destacando-se a figura de José António Guerreiro conforme descrição deixada pelo autor da obra.

O palestrante aproveitou para agradecer a intervenção do actual deputado Jorge Fão junto do arquivo de documentação da AR, em ordem a obter os dados solicitados acerca desta pintura prestes a cumprir um século de existência.

Administrador do Concelho de Caminha durante 20 anos

António Luís Fetal Carneiro foi administrador do concelho de Caminha desde 1852 a 1870 e presidente da Câmara Municipal entre 1839 3 1840, quando foi inaugurada a ponte rodoviária a 15/8/839, voltando a presidir à câmara caminhense aquando da criação da Comarca de Caminha.

"Um homem de elevados princípios"

João de Sá, o último senhor da Casa da Torre, assumiu a presidência da Câmara de Caminha com apenas 26 anos em 1887 e uma das suas medidas tomadas um anos depois, foi a de impedir a destruição (corte) da Lage das Fogaças devido à importância que concedeu às suas inscrições rupestres, meio século antes que o arqueólogo Abel Viana lhe conferisse o destaque que merecia.

Paulo Bento conferiu a este lanhelense um estatuto de pessoa com "elevados princípios", chegando a peregrinar até à Terra Santa, ficando Caminha a dever-lhe a aprovação do projecto da escola primária no Largo da Escola. Voltaria a presidir aos destinos do concelho entre 1905/07, cargo que assumiria novamente 20 anos mais tarde

Abel Viana dá outra data para a criação da Banda

Abel Viana, professor primário em Seixas, foi uma das figuras mais relevantes da história regional, cujos escritos nos legaram informações preciosas da primeira metade do século passado (faleceu em 1962), sobre arqueologia, etnografia e história.

Paulo Bento recordou algumas passagens dos seus escritos, centrando-se na Banda Musical Lanhelense, citando a existência de uma grande rivalidade, em 1910, entre esta filarmónica e a de Caminha.

Segundo dados recolhidos por Abel Viana, a fundação da banda lanhelense teria ocorrido em 1876, dado que em 1926 ouvira falar dessa data em Lanhelas, por ocasião da comemoração dos 50 Anos. Estes dados, contudo, não coincidem com outros que apontam para 1 de Janeiro de 1850, ou mesmo antes, pelo que a referência de Abel Viana é mais um dado sobre um tema que ainda merece discussão.

A ele se ficou a dever ainda uma alusão à criação do Grupo Dramático Lanhelense em Setembro de 1916.

A abrir a palestra, o Quarteto de Clarinetes da Filarmónica Lanhelense interpretou alguns temas musicais.

No final, alguns dos integrantes do Grupo de Teatro de Lanhelas, leram/cantaram algumas quadras populares recolhidas por Abel Viana nesta aldeia, recriando um sugestivo momento tipicamente minhoto, como o são os cantares ao desafio:

Rapaz
- Deus te salve, cantadeira,
E te cubra de bênção,
E mais todas as pessoas
Que neste lugar estão,
E tudo quanto pertence
À humana geração.

Rapaz
Eu darei ouro por prata,
Darei prata por latão;
A quem me souber tratar,
Por bem, dou o coração,
Mas também dou o castigo,
Se me faltam à razão.

Rapaz
- Tu não te exaltes comigo,
Que eu sou de raro talento;
Cantadeiras como tu
Dou combate a mais de um cento;
Sendo elas tais e quais,
Pode vir um regimento.

Rapaz
O teu coração te engana;
Tira daí o sentido,
Que tu calças não m'as dás;
Eu te darei um vestido
De doze metros de largo
E outros doze de comprido.

Rapaz
- C'o vestido que eu te der
Te verás envencilhada
Como a mosca na aranha
E a formiga na geada.
Mas talvez que tu já tenhas
A fraldinha bem mijada!

Rapaz
- Eu, vendo forças na frente
E tocar tambor na guerra,
Logo se me representa
Que tudo p'ra mim é terra.
Tu não sabes, cantadeira,
O quanto em mim se encerra.

Rapaz
- Eu sou do sino de Marte,
À guerra inclinado;
Se levantas o estandarte,
Qui o vês escangalhado;
Consoante o mereceres,
Assim hás-de ter o pago.

Rapaz
- Como queres pregar talento,
Em fundo vamos entrar:
Diz-me, se podes dizer,
O que te vou perguntar;
Mas se tu o não souberes,
De pronto te vou ensinar.

Rapaz
- Como queres presar de sábia,
Eu perguntar-te já vou:
Quem foi o homem mais forte
Que no mundo se criou?
Se mo não souber's dizer,
P'ra to dizer aqui estou.

Rapaz
- Eu sei bem que respondeste.
Sem profanar a razão,
Mas quero que digas nomes
De pai e mãe de Sansão;
Também quero ver agora
Se disso dás solução.

Rapaz
- Podes ter o desengano,
Que não tens esse regalo;
É mais fácil no inferno
Dar o diabo um estalo
Do que haver uma mulher
Que possa servir de galo!

Rapaz
. Descendeu do tribu Dan,
Irmã de Nafetalim,
Filho de Jacó e Bala,
Que a Escritura diz assim;
Tu, p'ra outros, serás alta,
Mas és baixa para mim.

Rapaz
- Diz a donzela Tiadora:
Foi a cruz de Jesú-Cristo;
Mas isso não é verdade,
Até ninguém, creia nisto,
Que na seguinte cantiga
Darei provas do meu dito

Rapaz
- vamos seguir outro texto,
Somente p'ra divisar,
P'ra que o povo não diga
Que constou só dum manjar.
Vê se te achas com ânimo
De me poder's amparar.

(…)

Rapaz
- Não se é lindo ou linda,
Sómente pela figura,
Mas pelas acções heróicas
Da humana criatura,
E tens tu todos os dotes,
Deu-te Deus essa ventura.

Rapaz
- Não duvides que diga
Que em meu juízo está escrito
Muito mais de mil dôbros
Do que aqui tenho dito,
E se nós continuarmos
A verdade certifico.

Rapaz
- Visto qu'reres descansar,
Cheio de consternação
De ti me vou ausentar
Com pesar no coração,
E se te causei agravo,
Peço que me dês perdão.

Rapariga
- Deus te salve, Deus me salve
E ao povo que aqui está;
O salvas é cortesia,
Que a glória Deus a dá;
Quem me dera a mim saber
De que condição virá.

Rapariga
- Não me faças muita bulha,
Deixa-me o cão a dormir;
Olha que, se o acordares,
À pressa podes fugir.
Mais vale que fiques mal
E todo o mundo a rir.

Rapariga
- 'Stou armada de sciência
P'ra fazer oposição;
Juro, à fé de quem sou,
De te dar uma lição.
Hei-de te dar umas calças
Que hás-de ser um figurão.

Rapariga
- Não te incomodes com isso,
Que o vestido não me dás…
- Antes que tu mo desses!
Sempre eras um bom rapaz!
As calças t'as darei eu…
E abertinhas por detrás!

Rapariga
- A mim não me causa susto
Ouvir essas tuas chônas;
Lembrou-lhe porque talvez
Mijaria as pantalonas.
Bota balas para a frente,
Não me estejas com ansônias!

Rapariga
- Sem seu tempo não se criam
Os castanheiros no souto;
Mostrar-te.ei na peleja
O que eu sou, a pouco e pouco;
Fala lá como quiseres,
Que eu respondo-te ao que ouço.

Rapariga
- Aqui me tens, a pé firma,
Como o santo no altar;
Se me deres um bofetão,
Dois ou três hás-de levar,
Que sempre foi meu costume
De pagar e repagar.

Rapariga
- Podes fazer, sem receio,
A pergunta que quiseres,
Que eu, até aonde tu fores
Não salto, com ser mulher;
Eu sou firme como o aço
E pau p'ra toda a colher.

Rapariga
- Dizer-te isso não me causa
A menor afelição,
Porque sei perfeitamente
Que foi o grande Sansão;
Quanto a essa pergunta,
Não mereces galardão.

Rapariga
- O pai era Manué,
A mãe era Dialina.
Ou tu queiras ou não queiras,
Eu hei-de ficar por cima;
Tenho lido tantos livros
Que a mim já ninguém ensina.

Rapariga
- Pergunta requer pergunta;
Agora, pergunto eu:
Manué, pai de Sansão,
De que tribu descendeu?
Se me não disser's, veremos
Se o galo és tu ou eu.

Rapariga
- Tendo tu conhecimento,
Não recuso dar-te a palma;
Mas diz se houve alguma coisa
Que entrasse no Céu sem alma,
Que eu de pronto te respondo,
Sem que isso me tire a calma.

Rapariga
- Tua sciência é discreta,
Elogio o teu saber;
Eu sei por miúdo
Mas continua a dizer,
Que também darei resposta
Quando bem me pertencer. (…)

Rapariga
- Marcha lá como quiseres,
Que eu sou castelo seguro,
Estou pronta p'ra combate,
Mesmo sem lança nem escudo;
A mais bem sei que és mestre,
Mas não és o sabe-tudo.

Rapariga
- Marcha lá como quiseres,
Que eu sou castelo seguro,
Estou pronta p'ra combate,
Mesmo sem lança nem escudo;
A mais bem sei que és mestre,
Mas não és o sabe-tudo.

Rapariga
- Sinto não ter com que pague
A um mestre tão discreto,
Mas um Deus que tudo pode
Te faça ser predilecto,
Que eu pagar-te mais não posso
Que te dar o meu afecto.

Rapariga
- A sabedoria em ti
É como a água no mar,
Que ainda que muito tirem,
Ninguém a pode esgotar;
Mas hoje daremos resto,
Que eu pretendo descansar.

Rapariga
- A quem tão bem me tratou
Não tenho que perdoar,
Antes peço me perdões,
Por me estares a ensinar,
Que eu ao pé de ti cantei
E ausente vou chorar.

Junta de Freguesia de Lanhelas

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