Rapaz
- Deus te salve, cantadeira,
E te cubra de bênção,
E mais todas as pessoas
Que neste lugar estão,
E tudo quanto pertence
À humana geração.
Rapaz
Eu darei ouro por prata,
Darei prata por latão;
A quem me souber tratar,
Por bem, dou o coração,
Mas também dou o castigo,
Se me faltam à razão.
Rapaz
- Tu não te exaltes comigo,
Que eu sou de raro talento;
Cantadeiras como tu
Dou combate a mais de um cento;
Sendo elas tais e quais,
Pode vir um regimento.
Rapaz
O teu coração te engana;
Tira daí o sentido,
Que tu calças não m'as dás;
Eu te darei um vestido
De doze metros de largo
E outros doze de comprido.
Rapaz
- C'o vestido que eu te der
Te verás envencilhada
Como a mosca na aranha
E a formiga na geada.
Mas talvez que tu já tenhas
A fraldinha bem mijada!
Rapaz
- Eu, vendo forças na frente
E tocar tambor na guerra,
Logo se me representa
Que tudo p'ra mim é terra.
Tu não sabes, cantadeira,
O quanto em mim se encerra.
Rapaz
- Eu sou do sino de Marte,
À guerra inclinado;
Se levantas o estandarte,
Qui o vês escangalhado;
Consoante o mereceres,
Assim hás-de ter o pago.
Rapaz
- Como queres pregar talento,
Em fundo vamos entrar:
Diz-me, se podes dizer,
O que te vou perguntar;
Mas se tu o não souberes,
De pronto te vou ensinar.
Rapaz
- Como queres presar de sábia,
Eu perguntar-te já vou:
Quem foi o homem mais forte
Que no mundo se criou?
Se mo não souber's dizer,
P'ra to dizer aqui estou.
Rapaz
- Eu sei bem que respondeste.
Sem profanar a razão,
Mas quero que digas nomes
De pai e mãe de Sansão;
Também quero ver agora
Se disso dás solução.
Rapaz
- Podes ter o desengano,
Que não tens esse regalo;
É mais fácil no inferno
Dar o diabo um estalo
Do que haver uma mulher
Que possa servir de galo!
Rapaz
. Descendeu do tribu Dan,
Irmã de Nafetalim,
Filho de Jacó e Bala,
Que a Escritura diz assim;
Tu, p'ra outros, serás alta,
Mas és baixa para mim.
Rapaz
- Diz a donzela Tiadora:
Foi a cruz de Jesú-Cristo;
Mas isso não é verdade,
Até ninguém, creia nisto,
Que na seguinte cantiga
Darei provas do meu dito
Rapaz
- vamos seguir outro texto,
Somente p'ra divisar,
P'ra que o povo não diga
Que constou só dum manjar.
Vê se te achas com ânimo
De me poder's amparar.
(…)
Rapaz
- Não se é lindo ou linda,
Sómente pela figura,
Mas pelas acções heróicas
Da humana criatura,
E tens tu todos os dotes,
Deu-te Deus essa ventura.
Rapaz
- Não duvides que diga
Que em meu juízo está escrito
Muito mais de mil dôbros
Do que aqui tenho dito,
E se nós continuarmos
A verdade certifico.
Rapaz
- Visto qu'reres descansar,
Cheio de consternação
De ti me vou ausentar
Com pesar no coração,
E se te causei agravo,
Peço que me dês perdão.
|
Rapariga
- Deus te salve, Deus me salve
E ao povo que aqui está;
O salvas é cortesia,
Que a glória Deus a dá;
Quem me dera a mim saber
De que condição virá.
Rapariga
- Não me faças muita bulha,
Deixa-me o cão a dormir;
Olha que, se o acordares,
À pressa podes fugir.
Mais vale que fiques mal
E todo o mundo a rir.
Rapariga
- 'Stou armada de sciência
P'ra fazer oposição;
Juro, à fé de quem sou,
De te dar uma lição.
Hei-de te dar umas calças
Que hás-de ser um figurão.
Rapariga
- Não te incomodes com isso,
Que o vestido não me dás…
- Antes que tu mo desses!
Sempre eras um bom rapaz!
As calças t'as darei eu…
E abertinhas por detrás!
Rapariga
- A mim não me causa susto
Ouvir essas tuas chônas;
Lembrou-lhe porque talvez
Mijaria as pantalonas.
Bota balas para a frente,
Não me estejas com ansônias!
Rapariga
- Sem seu tempo não se criam
Os castanheiros no souto;
Mostrar-te.ei na peleja
O que eu sou, a pouco e pouco;
Fala lá como quiseres,
Que eu respondo-te ao que ouço.
Rapariga
- Aqui me tens, a pé firma,
Como o santo no altar;
Se me deres um bofetão,
Dois ou três hás-de levar,
Que sempre foi meu costume
De pagar e repagar.
Rapariga
- Podes fazer, sem receio,
A pergunta que quiseres,
Que eu, até aonde tu fores
Não salto, com ser mulher;
Eu sou firme como o aço
E pau p'ra toda a colher.
Rapariga
- Dizer-te isso não me causa
A menor afelição,
Porque sei perfeitamente
Que foi o grande Sansão;
Quanto a essa pergunta,
Não mereces galardão.
Rapariga
- O pai era Manué,
A mãe era Dialina.
Ou tu queiras ou não queiras,
Eu hei-de ficar por cima;
Tenho lido tantos livros
Que a mim já ninguém ensina.
Rapariga
- Pergunta requer pergunta;
Agora, pergunto eu:
Manué, pai de Sansão,
De que tribu descendeu?
Se me não disser's, veremos
Se o galo és tu ou eu.
Rapariga
- Tendo tu conhecimento,
Não recuso dar-te a palma;
Mas diz se houve alguma coisa
Que entrasse no Céu sem alma,
Que eu de pronto te respondo,
Sem que isso me tire a calma.
Rapariga
- Tua sciência é discreta,
Elogio o teu saber;
Eu sei por miúdo
Mas continua a dizer,
Que também darei resposta
Quando bem me pertencer. (…)
Rapariga
- Marcha lá como quiseres,
Que eu sou castelo seguro,
Estou pronta p'ra combate,
Mesmo sem lança nem escudo;
A mais bem sei que és mestre,
Mas não és o sabe-tudo.
Rapariga
- Marcha lá como quiseres,
Que eu sou castelo seguro,
Estou pronta p'ra combate,
Mesmo sem lança nem escudo;
A mais bem sei que és mestre,
Mas não és o sabe-tudo.
Rapariga
- Sinto não ter com que pague
A um mestre tão discreto,
Mas um Deus que tudo pode
Te faça ser predilecto,
Que eu pagar-te mais não posso
Que te dar o meu afecto.
Rapariga
- A sabedoria em ti
É como a água no mar,
Que ainda que muito tirem,
Ninguém a pode esgotar;
Mas hoje daremos resto,
Que eu pretendo descansar.
Rapariga
- A quem tão bem me tratou
Não tenho que perdoar,
Antes peço me perdões,
Por me estares a ensinar,
Que eu ao pé de ti cantei
E ausente vou chorar.
|