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A pandemia vista e contada por caminhenses espalhados pelo mundo

Seguem-se mais dois depoimentos de naturais deste concelho que vivem e trabalham em continentes distintos, confrontando-nos com a realidade da sua região e a visão que possuem desta pandemia que afecta de forma diferenciada os diversos interlocutores com quem temos conversado ao longo destes últimos dois meses.

Bárbara Eli Gomes Barroso (Itália)

Carlos Manuel Fernandes da Cunha (Argélia)

Carlos Manuel Fernandes da Cunha

Após termos conversado com caminhenses a residir e trabalhar na parte sul de África (Angola e África do Sul), "voamos" até ao norte deste continente, onde se encontra o lanhelense Carlos Manuel Fernandes da Cunha, em Argel, capital da Argélia, há seis anos, na companhia da sua esposa. É uma cidade entre a 3-4 milhões de pessoas "recenseadas", mas durante o dia esse número ultrapassa os sete milhões.

Veio para este país saariano para trabalhar na construção civil com um sócio argelino, mas na actualidade dedicam-se "ao mundo das plantas", possuindo um horto. Parece um pouco irreal que num país predominantemente desértico, alguém se aventure a criar uma indústria que necessita de muita água, o que não falta no norte da Argélia, onde este líquido dessalinizado corre nas torneiras, explicou-nos.

"Arriscamos, viemos e acabamos por ficar"

Esta opção por Argélia surgiu perante as escassas possibilidades de exercer a profissão em Portugal. "Arriscamos, viemos e acabamos por ficar", assegurando, contudo, que "se tivesse vindo sozinho já me tinha ido embora".

Carlos Cunha, presentemente, não conhece muitos portugueses a trabalhar neste país muçulmano, ao contrário do que sucedia quando estavam a construir o metro, em que o gabinete de estudos e projectos e a empresa de fiscalização eram portugueses. Apenas sabe que há um moledense de nome António que trabalha para a "Vilaplano" (uma empresa de construção civil de Esposende), da minha idade (52 anos) e com quem estudou em Caminha.

Após ter tido uma experiência autárquica na Junta de Freguesia de Lanhelas, tem agora uma outra prova (esta, profissional) na Argélia, realçando que "a vida é feita de experiências e outro dia será outra", disse-nos, sorrindo.

Falando do motivo destas entrevistas que temos desenvolvido ultimamente, este lanhelense reconheceu que "em Argel nunca sentimos muito o problema da pandemia, embora tivesse sido determinado o confinamento, o que nunca nos afectou porque trabalhávamos no horto e que se manteve sempre aberto", sendo das poucas actividades na capital que funcionou ininterruptamente, havendo sempre "muita gente" a fazer compras.

Situação sob controle

Referindo-se ao comportamento da população argelina, acentuou que "nunca houve grande preocupação porque nunca houve muitos casos", designadamente em Argel e se isso tivesse acontecido, a sua própria empresa teria encerrado. Contou-nos que os próprios hospitais nunca estiveram assoberbados de utentes e uma cidade perto de Argel, onde surgiram os primeiros focos, "esteve fechada durante um mês e creio que foi o único sítio onde isso sucedeu, tendo sido conseguido controlar a situação".

Poder-se-ia pensar que o uso de máscaras neste país não fosse uma coisa difícil de suportar, atendendo a que as mulheres poderiam usar a burka. Esta ideia foi desmontada por Carlos Cunha, assegurando, que, por vezes, "há dias em que não se vê uma única mulher utilizando a burka", o mesmo não sucedendo com o uso do lenço na cabeça, mas "também vemos muitas sem nada". No entanto, há cerca de 15 dias foi decretado o uso obrigatório das máscaras "logo que se saia da porta da casa", completou.

Horários de abertura foram sendo alargados

Neste país, nos primeiros dias de quarentena, a partir das sete horas já ninguém podia sair à rua. Algum tempo depois passaram para as 15 horas, até que começou o Ramadão e adiantaram o horário para as 17 horas, horário que se manteve durante dois meses. Os períodos de interdição foram-se encurtando e desde o passado Domingo (14/6) deram mais três horas, até às 20 horas.

Se em Argélia o surto pandémico não tem sido forte, noutros pontos do mundo a situação é bem mais complicada, considerando-a "assustadora". Carlos Cunha aponta os exemplos do Brasil, EUA e Inglaterra, insistindo que "se deve levar esta pandemia a sério" e pelo que vê nos nossos noticiários, "o que o presidente do Brasil está a fazer é de um louco".

O aparecimento deste vírus suscita opiniões diferentes, embora a sua origem na China reuna a maioria das ideias - através da contaminação provocada pelos animais vivos -, como acontece igualmente neste país africano, "embora um ou outro pense que foram os americanos", o que não é de admirar que assim julguem porque "aqui, são muito contra os americanos".

"Tememos que não deixem abrir as fronteiras"

A apreciação que os argelinos fazem do processo português tem sido muito apreciada na Argélia, por termos estado a "fazer as coisas bem", embora a situação actual comece a ser "assustadora e, para nós que somos emigrantes e estávamos a pensar ir aí, tememos que não deixem abrir as fronteiras", confessou-nos.

Falando-nos da situação nas fronteiras terrestres, recordou que "elas já estavam quase todas fechadas antes da pandemia porque praticamente todos eles estão em guerra, com excepção de Marrocos, mas cuja relação diplomática impede igualmente que seja possível cruzá-las". O mesmo se passa com os voos aéreos, em que nem sequer há ligações internas. Recordou que vivem a cerca de 30 km do aeroporto e todos os dias ouviam os aviões a cruzarem o céu, o que não acontece presentemente.

"Alguma ansiedade e medo"

Os contactos com a família em Lanhelas são feitos diariamente, e reconhece que existe "alguma ansiedade e medo" pelo que possa suceder em Portugal, em particular se os obrigarem a manter uma quarentena quando vierem ao nosso país, uma vez que virão de avião, um meio de transporte onde a transmissão do vírus é possível".

Deu conta de que era habitual virem a Portugal de três em três meses, "por causa dos meus pais que já têm muita idade", e porque com duas horas de voo chegavam cá, o que os leva agora a apontar a viagem para Julho, depois de estarem em lista de espera desde Janeiro.

Algumas informações apontam para que os voos internacionais, de fora da Europa, em direcção a Portugal, só possam ocorrer no final do ano, "o que nos deixa bastante assustados", adiantou-nos. Confia, todavia, nos poucos casos de infecção (1.200 em Argel) e falecimentos (811) registados no grande país africano, para que possam inverter as disposições de prolongamento das interdições e possibilitar o regresso a Portugal.

"Se me perguntarem se preferia estar aqui ou em Portugal durante esta pandemia, é evidente que gostaria de estar aí".

SNS tem funcionado bem

Neste país também há um serviço nacional de saúde e que "segundo nos temos apercebido, tem funcionado bem", conseguindo um número significativo de doentes recuperados (mais de 8 mil).

A exemplo do sucedido noutro países com forte concentração populacional em certas cidades, em Argel há mais casos, mas no resto do país, com distâncias enormes entre povoações ("em que ninguém vai lá").

A cordilheira do Atlas, logo a 30 km de Argel, impede que a desertificação deste país avance para norte, ao invés do que sucede para sul, onde já existe um projecto para a criação de um designado "muro verde" tendo como base uma reflorestação intensiva. Esta diferença favorece a zona mais litoral e a norte, onde a agricultura prospera, a despeito dos métodos "ainda um pouco arcaicos" utilizados.

Analisando as consequências desta situação, Carlos Cunha crê que a economia do país não se irá ressentir muito, porque se baseia essencialmente "no petróleo e no gás natural", não sendo auto-suficientes em quase nada, incluindo a própria gasolina e gasóleo, o que acaba por ser um contra-senso terem de importar estes produtos.

"Se não trabalham, nada recebem"

Mas se a economia não será o principal foco de preocupações do país, já o dia-a-dia das pessoas será complicado, "havendo já muita gente a passar mal", porque recebem ao dia e se não trabalham não recebem. Não existindo um sistema de cobrança de impostos como nos países europeus, Carlos Cunha acredita que a economia global não sofrerá grandes alterações porque não é suportada nos impostos pagos por pessoas individuais e empresas.

Sem lay-off nem subsídios de desemprego, na Argélia as perspectivas de sobrevivência da população são bem piores do que na Europa, reforça.

"Um abração para todos os lanhelenses"

A terminar, fez votos para que os lanhelenses e caminhenses continuem a portar-se bem e que cada português faça o que tem que fazer e que pensem um bocadinho em nós para podermos ir aí, desde que as coisas não piorem".

Sem falar na Festa das Solhas, que não se vai realizar, "embora ela já estivesse condenada à morte este ano".


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