JORNAL DIGITAL REGIONAL CAMINHA 2000 JORNAL DIGITAL REGIONAL CAMINHA 2000

Caminhenses espalhados pelo mundo e a forma como encaram a pandemia

Bélgica e França (um regresso a este país) são os dois estados europeus de onde recolhemos esta semana vivências de caminhenses que aí labutam diariamente nestes tempos difíceis e perigosos tendo como inimigo algo invisível mas implacável.

Júlio Domingos Gonçalves Afonso (Bélgica)

Daniela Filipa Pires Roteia (França)

Júlio Domingos Gonçalves Afonso

Anunciou em reunião de Assembleia Municipal realizada em 2013 que se demitia do cargo de presidente da Junta por ter sido extinta a sua freguesia e agregada à de Venade.

"Fui eleito para servir a minha freguesia e não outra", justificou a sua posição, após o ex-ministro Relvas ("eu chamava-lhe Ervas", recordou, um político que "nem de leis sabia, porque nem era formado em direito", acrescentou) ter incendido o Poder Local com as agregações "a regra e esquadro", sem atender às especificidades de cada autarquia.

No que esse ex-ministro com ligações privilegiadas ao Brasil era especializado, recorde-se, era nos favores a amigo(a)s, como sucedeu em Caminha, no dia 18/Mai/12, quando duas figuronas de Caminha pediram a sua interferência para as livrar de sarilhos em que se tinham envolvido, mas já chegaram demasiado tarde, conforme o C@2000 tem conhecimento.

Extinção da freguesia e crise deram a volta à sua vida

Como resultado da extinção de Azevedo (uma freguesia ferida de morte na sua identidade), a própria vida de Júlio Afonso deu uma grande volta, ao que não foi alheia a crise desses anos, nomeadamente na construção civil, levando a que tivesse de pôr fim à sua pequena empresa.

Recebeu então uma proposta para trabalhar em Angola, onde se manteve durante ano e meio, entre 2013 e 2015, após o que se seguiu uma nova oportunidade na Argélia, até que rumou até à Bélgica - com um interregno de quatro meses nas Caraíbas -, trabalhando numa empresa de um português na cidade de Manage, no centro desse país baixo, onde se mantém há três anos, "num país muito frio", esse o principal problema, contou-nos.

Vive numa casa com mais três trabalhadores portugueses, dois do Porto e um de Setúbal, numa zona com forte presença de italianos.

"Há horas em que me sinto mais satisfeito, e outras não", confessou-nos este azevedense de 60 anos, e "nem sei se fiz bem em vir para cá ou não", quando falou connosco no passado Domingo.

A dificuldade das viagens

Em Março veio até Portugal, após uma obra ter sido cancelada e aqui se manteve durante dois meses, até que foi chamado pelo patrão para reiniciar o trabalho. Não foi fácil conseguir viagem para a Bélgica, porque os voos aéreos já estavam todos praticamente suspensos, com excepção dos da companhia holandesa KLM que se manteve em funcionamento pleno durante a pandemia, facto que aproveitou, tendo regressado a 11 de Maio.

A Bélgica também aplicou restrições ao movimento fronteiriço, embora não tenha fechado totalmente a circulação com os países vizinhos, limitando-a a negócios e trabalhadores transfronteiriços, apenas proibindo visitas turísticas.

Um caso que fez manchete nas revistas do coração, foi a deslocação de um sobrinho do rei da Bélgica até Córdoba, Espanha, a fim de se encontrar com uma namorada e acabou infectado, após ter participado "numa festa clandestina", precisou Júlio Afonso a este "fait-divers", que o levou a pedir desculpas públicas. Este caminhense até acabou por compreender esta atitude leviana, porque "temos que entender que é fruto da juventude, porque é complicado segurá-los".

A Bélgica é um país com uma área inferior à de Portugal, mas com mais meio milhão de habitantes do que o nosso país, mas que regista muitos mais casos e falecimentos, como nos confirmou Júlio Afonso, tornando-se num dos estados da Europa com mais mortes, aproximando-se das 10.000.

Atribui esta situação ao incumprimento das medidas decretadas pelo Governo, sem que tivesse havido uma fiscalização e acompanhamento imprescindíveis.

"Ninguém controla uso de máscaras e espaçamentos"

"As pessoas entram nos supermercados sem máscaras e ninguém liga nada a isso e os separadores nesses estabelecimentos são os carrinhos das compras, a par de se cruzarem no seu interior". Deu outro exemplo que sucede numa loja de bricolage existente perto de sua casa, em que apesar de ser obrigatório o uso de máscara e existirem avisos de que há coimas de 250€ para quem não utilizar máscaras, "as pessoas entram desprotegidas e nada lhes acontece porque os donos dos estabelecimentos não chamam as autoridades e estas também não aparecem".

Concluindo, assegura que "as medidas existem na lei, só que não está a ser cumprida".

Só se cumprem as regras nos espaços públicos fechados

Deu outro exemplo de como a Bélgica está a funcionar neste período de pandemia: "Eu fui hoje às compras a Bruxelas, aquilo era uma feira, e dentro dessa zona há um espaço para o peixe fresco e carne e aí cumprem as regras", porque é um espaço público, no qual há seguranças/autoridades obrigando a cumprir regras, como os carreiros para as pessoas manterem o distanciamento e não deixando entrar quem não usar máscara". Inclusivamente não permitiram entrar um indivíduo que apresentava sintomas de embriaguez.

Apontou outra situação relacionada com um supermercado onde se vendem produtos portugueses e alguns espanhóis, no qual não existe igualmente o cumprimento de qualquer regra, com "as pessoas a tropeçarem umas nas outras".

Restaurantes, bares e similares encontram-se encerrados e quanto às escolas, funcionam, "mas têm aquilo muito bem organizado", medindo a temperatura à entrada e utilizando máscaras, tanto os professores como os funcionários, à excepção das crianças que podem brincar à vontade.

Bélgica actuou tarde

A propagação do vírus na Bélgica, um país multi-racial, poderá ter acontecido de várias maneiras, prosseguiu Júlio Afonso, "e quando pretenderam controlá-lo, já foi um pouco tarde".

O sistema de saúde belga é diferente do português, funcionando à base de clínicas privadas, e se o Estado não investe, elas também não o fazem, o que poderá ter contribuído para um significativo número de falecimentos.

É de opinião de que os portugueses se encontram mais bem protegidos perante situações como as que enfrentamos neste momento, do que a população de outros países em que prevalece a medicina privada.

"Aqui, as pessoas têm acesso ao tratamento mas se tiverem dinheiro e têm de pagar à cabeça", ao passo que em Portugal não se lhes pergunta por isso, essa a grande diferença.

"Não me parecem nada assustados"

A forma como os belgas encararam esta pandemia, levam este azevedense a constatar que "não estão nada assustados", a despeito do elevado número de mortos, o que lhe causa estranheza tanta indiferença.

Nesse país, não se realizam conferências de imprense diárias, como sucede em Portugal ou Espanha, "saindo tudo a conta-gotas", nomeadamente agora que os casos se encontram numa curva descendente, levando a que já estejam a abrir alguns estabelecimentos, como será o caso dos cafés, "onde já se vê que estão a fazer limpezas". As vendas em sistema de take-away prosseguem, "com as portas abertas para a rua", um processo que resulta desde que não chova.

Nos transportes públicos, os condutores encontram-se em cabines isoladas, mas os passageiros "andam como querem", com ou sem máscaras e sem restrição de entradas.

"Quando foi preciso fechar, fizeram o necessário e muito bem"

A forma como Portugal está a liderar com a pandemia não interessa muito aos belgas, embora às vezes lhes perguntem como está tudo a decorrer. Os quatro portugueses que vivem nesta casa vão-se inteirando do que se passa em Portugal pelo que o JN informa diariamente, dado que "ainda não temos internet" aqui.

Na sua óptica, e pelo que apreciou da atitude das autoridades portuguesas, embora a reacção tenha sido um pouco tardia, "quando foi preciso fechar, fizeram o necessário e muito bem". Apreciou igualmente a forma como Rui Rio se comportou nesta crise (e a generalidade dos partidos), porque se tivesse actuado doutra forma ("como sucedeu em Espanha"), "tínhamos uma crise e estávamos tramados".

"Quero ir a Portugal em Julho"

"Eu a Portugal quero ir, se Deus quiser, já no mês de Julho", esta a vontade de Júlio Afonso, garantindo que se não for de uma forma será de outra, além de estar assegurado de que os emigrantes não terão de fazer quarentena.

Acredita que não haverá problemas com o regresso dos emigrantes, porque as pessoas já estão preparadas para tomar medidas de precaução, além de que quem tiver algum caso positivo, "já está mentalizado para não ir".

Contacta com a família diariamente e assim mantém uma ligação importante para encurtar distâncias, refere.

"Azevedo acabou com esta união de freguesias"

A ideia da freguesia de Azevedo não desaparece da ideia dos seus habitantes, mas o antigo autarca deposita poucas esperanças de que ela venha a readquirir o seu estatuto de autonomia. A proposta de lei que apontava para um mínimo de 1.000 eleitores para ser possível recuperar as freguesias, é um tecto demasiado elevado para Azevedo, onde o número e eleitores não vai muito além dos 250. A par de "não estar a ver gente que se esteja a interessar muito por isso".

Por causa desta pandemia, nem houve Páscoa, nem Festa de S. Miguel, mas Júlio Afonso preferiu que isto tivesse acontecido a "haver mortos na freguesia e no concelho".

Faz votos para que "o pessoal de Azevedo esteja sossegadinho" com esta pandemia. Assinala que para "mais guerrilhas já chega", razão da extinção desta freguesia, assegura, porque "ela era para não ser anexada", recorda com tristeza, "mas sim outra".


Edições C@2000

Do Coura se fez luz. Hidroeletricidade, iluminação pública e política no Alto Minho (1906-1960)"
Autor: Paulo Torres Bento
Edição: C@2000/Afrontamento
Apoiado pela Fundação EDP


Da Monarquia à República no Concelho de Caminha
Crónica Política (1906 - 1913)

Autor: Paulo Torres Bento
Edição: C@2000


O Estado Novo e outros sonetos políticos satíricos do poeta caminhense Júlio Baptista (1882 - 1961)

Organização e estudo biográfico do autor por Paulo Torres Bento
Edição: C@2000


Rota dos Lagares de Azeite do Rio Âncora

Autor: Joaquim Vasconcelos
Edição: C@2000


Memórias da Serra d'Arga
Autor: Domingos Cerejeira
Edição: C@2000

Outras Edições Regionais