À medida que a generalidade dos países europeus tenta regressar à normalidade (com excepção de alguns como Suécia, Inglaterra, Bélgica ou Rússia), outros, como os de África, ainda se preparam para dias bem difíceis, ao mesmo tempo que no continente americano se enfrenta o pico da pandemia viral e política, o C@2000 continua em busca de novas experiências de caminhenses espalhados pelo mundo.
Gabriela Sofia Pereira Neves (África do Sul)
Nadia Sofia Pereira Gonçalves (Dinamarca)
Nadia Sofia Pereira Gonçalves
Nadia Sofia Pereira Gonçalves é natural de Vilar de Mouros, tem 35 anos, casou-se recentemente com um maiato, vive na segunda cidade da Dinamarca (Aarhus), onde trabalha há cinco anos.
Estudou na Escola Básica de Vilar de Mouros, depois na Escola Preparatória e Secundária de Caminha onde completou o 12º ano no ramo científico, ingressando mais tarde no Instituto de Bio-Médicas Abel Salazar, no Porto, na área de medicina veterinária.
Concluído o curso, trabalhou durante algum tempo em clínica e cirurgia de animais de companhia, no Porto e em Barcelona ("onde tive o privilégio de morar durante três meses") num hospital veterinário, dentro do seu estágio de âmbito curricular.
Todavia, a área pela qual mais se apaixonou foi a da investigação científica, tendo tirado um doutoramento durante quatro anos em neurociências, no Instituto de Biologia Molecular da Universidade do Porto.
Um currículo amplo na área da investigação é importante na carreira dos investigadores, e, simultaneamente, "viver fora de Portugal fazia parte dos meus planos", levando-a a seguir a sua área de investigação pós-doutoral na Dinamarca, após ter sido contratada pela Universidade de Aahrus como Professora Assistente, depois de ter passado pela Universidade de Melbourne, na Austrália, e na de Michigan, nos EUA.
Presentemente, a sua investigação científica centra-se nas doenças neuro-degenerativas do sistema nervoso periférico, depois de ter realizado o doutoramento no estudo da paramiloidose ("uma doença genética bastante comum em Portugal, com focos na Póvoa de Varzim e Vila do Conde", recordou) e, agora, trabalha com a neuropatia diabética.
A opção pela Dinamarca surgiu mediante o propósito de ingressar numa das 100 melhores universidades mundiais, como é o caso da actual em que trabalha, além de considerar este país como "muito bom para viver, em que dão muito valor ao equilíbrio trabalho-família", sem haver aquele frenesim que se verifica em Portugal de "chegar cedo e ser o último a sair, mesmo quando não há nada a fazer, mas pelo simples facto de o patrão ainda estar lá". "Aqui", explicou, "entra-se às 8 e sai-se às quatro".
Nadia Gonçalves desconhece se há mais caminhenses na cidade onde vive actualmente, embora haja portugueses noutros pontos, nomeadamente em Copenhague.
Entrando na questão da pandemia, Nadia Gonçalves admitiu que "aqui a coisas estiveram sempre mais calmas desde o início", sendo este um dos primeiros países da Europa a "fechar" a 11 de Março, embora o primeiro caso se tenha registado a 27 de Fevereiro, quando já havia 400 contágios.
Neve e ski espalharam a doença
A exemplo do sucedido em Andorra - como nos referiu em edição anterior José Luís Carvalho -, também na Dinamarca os primeiros casos foram importados da Itália, dos Alpes, após alguns dinamarqueses terem aproveitado as designadas "férias de inverno", um período de uma semana, em Fevereiro, "em que até as escolas estão fechadas e que aproveitam para ir fazer ski para o norte de Itália e Áustria", resultando que "a maioria dos casos vieram da Lombardia e do Tirol". Vincou que o primeiro infectado com o vírus tinha estado na Itália.
Deu-nos alguns números actuais, em que se registavam 11.924 casos confirmados, dos quais 10.721 foram recuperados e houve até ao momento 587 mortes. Apenas havia 24 casos em internamento, num país com 5,8 milhões de habitantes.
Comparando com a população portuguesa, com cerca do dobro de habitantes, os números da Dinamarca são melhores.
No entanto, há características destes dois povos que poderão explicar as diferenças, anotou esta vilarmourense:
"Enquanto que ao povo português é muito mais difícil faltar a um almoço de domingo ou de família, não cumprimentar as pessoas com dois beijinhos ou um passou-bem, aqui, na Dinamarca, é muito comum visitar os pais, os avós ou pessoas mais idosas uma vez por mês". Em complemento, reconhece que os dinamarqueses "são mais frios, por norma", ao que acrescenta o facto de a população não estar muito concentrada em grandes cidades, o que impede um contágio mais acentuado ("que a transmissão do vírus não seja tão rápida").
SMS português é bom
Comparando o Sistema Nacional de Saúde da Dinamarca com o de Portugal, apontou como grande diferença a informatização existente nesse país, mas "em termos de qualidade", reforçou, "não ficamos (Portugal) nada atrás", levando-a a assegurar que "deveríamos valorizar muito o nosso SNS".
Assinalou que perante o reduzido número de casos verificados na Dinamarca, o SNS deste país não enfrentou problemas de maior, embora se tenham precavido através de instalação de hospitais de campanha e da abertura de mais alas nos hospitais para receber eventuais doentes com o covid19. "Penso que eles estavam à espera de um cenário pior do que aquele que aconteceu", concluiu.
"Confiança enorme no Estado"
A própria população encarou esta pandemia "com bastante calma", atendendo mesmo a que é muito disciplinada e acata os ordens dos governantes, porque tem "uma confiança enorme no Estado e o que ele disser é para cumprir", para o que contribui a fácil comunicação entre as duas partes, resultante da notável informatização implantada.
Admite que "na primeira semana, as pessoas ficaram com um pouco de receio, sobretudo pela eventual falta de comida, verificando-se uma grande afluência aos supermercados, tal com se viu noutros locais", comprando papel higiénico, desinfectantes e chegando a faltar algumas farinhas e fermento, mas "em pouco tempo, voltou tudo ao normal".
Informatização forte na Dimamarca
A informatização existente na Dinamarca facilitou imenso as compras online, "levando a que não houvesse grandes problemas".
"Em 11 de Março, fecharam as fronteiras, restaurantes, bares, cafés e lojas e mandaram toda gente trabalhar de casa", narrou Nadia Gonçalves, num processo idêntico ao de Portugal. Contudo, presentemente, "a sociedade já está a trabalhar quase normalmente, mas as fronteiras ainda não", pensando que ainda este mês abrirão com a Alemanha, Noruega e Islândia, com excepção da Suécia, tendo em conta "como as coisas ainda estão lá", a par de "ainda desaconselharem viagens de turismo para o sul da Europa", porque, no regresso, terão de fazer quarentena.
Pelo facto de ainda não falar dinamarquês ("uma língua muito difícil", precisa) não pode garantir que as pessoas de cá se interessem pelo que sucede em Portugal, porque "não vejo as notícias daqui, mas pelo que me dizem, têm alguma coisa de Itália, mas focam-se nos EUA".
Apesar deste apagão sobre o que se passa em Portugal, Nadia Pereira Gonçalves está informada pelo que lê na Internet nas notícias de cá e pelo que lhe contam a sua família e amigos.
"Portugal reagiu bem"
Através destes contactos e pelas notícias que lê, acredita que "Portugal reagiu bem e tomou boas medidas e começaram a utilizar máscara - algo que não se usa aqui, acentuou - e, inexplicavelmente, na Dinamarca, os números continuam bons".
Apesar destes dados favoráveis, "eu acho que se deveriam usar máscaras, especialmente em espaços fechados". Contudo, bares, esplanadas e restaurantes "estão cheios", sem grandes preocupações de distanciamento, embora as regras deste país apontem para um distanciamento de um metro, confiando, provavelmente, nos números bastante baixos, assinala.
"Não foi uma coisa com sucesso"
Dado que é uma investigadora, terá uma visão algo diferente da generalidade das pessoas sobre a forma como países como a Suécia, Inglaterra, EUA e Brasil enfrentaram a pandemia.
Assinalou que "estamos perante um vírus que sofre bastantes mutações e o processo para criar uma vacina demora cerca de dois anos" uma vez que é necessário "fazer uma série de testes, não só para comprovar se a vacina funciona, assim como ver se não há efeitos secundários", o que os levou (Suécia e Inglaterra) a apostar numa estratégia de imunidade de grupo através da criação de anti-corpos. No entanto, esta aposta foi nefasta para a população envelhecida, levando-a a afirmar que "não sou a favor desta opção", por entender que se deve proteger os idosos, os mais afectados nesta pandemia" e, "está à vista que não foi uma coisa com sucesso pelos números que se vêem nesses países".
Uma mulher não embarcou em aventureirismos
Recordou, no entanto, "agora que as coisas estão bem mais calmas, que a Dinamarca quereria adoptar uma posição igual à da Suécia" só não o fazendo porque "a primeira-ministra bateu o pé, dizendo que não concordava e que deveriam ser tomadas as medida" mais cautelosas.
O facto de os países em que têm mulheres como primeiras-ministras terem sido dos que mais sucesso tiveram nesta pandemia, levam a concluir que elas são "mais racionais", admite pensar dessa forma esta vilarmourense, além de que "todas as vidas importam".
Esta situação obriga a tomarem-se outras atitudes, incluindo a nível profissional. Nadia Gonçalves tinha previsto apresentar um trabalho num congresso em Miami, mas terá que substituir a sua presença física por vídeo-conferência. E quanto a férias e vinda a Portugal "está tudo ainda muito indefinido", designadamente se continuarem a obrigar a fazer uma quarentena.
Esta investigadora, confrontada com as inúmeras teorias sobre a origem deste vírus, foi peremptória em afirmar que ele surgiu de "forma natural mas que poderia ser evitado se já tivessem terminado com aqueles mercados de animais vivos na China".
"Devemos mudar muita coisa"
Opina que "deveriam acabar porque se as coisas não mudarem, virá nova pandemia devido a essa proximidade com animais selvagens".
Acrescenta que é também importante "defender as nossas casas", em referência às preocupações ambientais, apontando o plástico que está no mar, a defesa dos ecossistemas marinhos, as desflorestações na Amazónia ou os incêndios na Austrália. Se não se alterar esta lógica destrutiva, teme que novas pandemias surgirão.
Dinamarqueses sensibilizados para temas ambientais
Na sua opinião, a população dinamarquesa já se encontra muito sensibilizada para esta situação, graças às campanhas que têm vindo a ser desenvolvidas neste país, apontando a angariação de fundos para a protecção dos Coalas, da Austrália, ou a que foi desenvolvida na reciclagem de latas na Dinamarca. As pessoas guardam as latas, entregam-nas nos supermercados e recebem uma "tara" que representa dinheiro. Dá como outro exemplo a forte aposta na energia eólica.
Por causa da pandemia, este ano, não há Festival na sua terra.
Lamenta, e considera ter sido bom que tivesse voltado depois de todos esses anos que esteve cancelado, mas o que mais a incomoda é não poder voltar a estar com seus pais e amigos tão cedo quanto possível.
Com algum humor, disse-nos que "depois desta pandemia, eu não sei quando é que voltarei a ir a um festival com tanta gente junta no mesmo sítio".
"Caminhenses são uns privilegiados"
A terminar, a modos de mensagem, recorda aos caminhenses que "devem estar contentes por viverem num local tão bonito e que não foi assim tão severamente afectado com esta pandemia, e onde podem facilmente sair à rua, ir à praia, ao rio e descobrir locais bem saudáveis, fazer caminhadas nos montes.