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Caminhenses em diferentes países contam-nos como encaram a pandemia

À medida que a generalidade dos países europeus tenta regressar à normalidade (com excepção de alguns como Suécia, Inglaterra, Bélgica ou Rússia), outros, como os de África, ainda se preparam para dias bem difíceis, ao mesmo tempo que no continente americano se enfrenta o pico da pandemia viral e política, o C@2000 continua em busca de novas experiências de caminhenses espalhados pelo mundo.

Gabriela Sofia Pereira Neves (África do Sul)

Nadia Sofia Pereira Gonçalves (Dinamarca)

Gabriela Sofia Pereira Neves
(África do Sul)

Gabriela Sofia Pereira Neves foi das últimas crianças a nascer no Hospital da Misericórdia de Caminha há 44 anos.

Estudou na Escola Primária e na C+S de Caminha, após o que ingressou na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro onde tirou um curso de engenharia agrónoma, obtendo seguidamente um mestrado em comunicações e marketing.

A sua grande paixão por animais levou-a a abraçar esse curso com especialização em zootecnia, embora nunca tenha chegado a trabalhar neste sector.

Direcção: África

Seguiu-se um curso de Erasmus em Espanha e outro na Holanda, após o que conseguiu um emprego de gerente da Liedl, em Valença, onde permaneceu um ano. Viu então um artigo num jornal pedindo voluntários para África e "concorri porque sempre tive o sonho de trabalhar" nesse continente. Foi estudar para a Dinamarca a fim de preparar-se para essa viagem até Moçambique, em cuja capital, Maputo, permaneceu durante sete meses "trabalhando com crianças órfãos".

Após esta espécie de estágio, a ONG (Organização não Governamental) com a qual colaborou, contratou-a definitivamente, seguindo seguidamente para o Botswana e "aí começou a minha carreira no sector humanitário e desenvolvimento", explicou-nos. Daqui seguiu para a África do Sul onde permanece ao fim de 18 anos, já noutra ONG.

"Este trabalho é a minha paixão"

A sua primeira intervenção foi no Soweto, Joanesburgo, assumindo o cargo de directora da ONG neste país ao fim de três anos, começando a desenvolver diversos projectos noutras províncias, como Limpopo, Malanga, registando a partir de então "um grande crescimento", até que há 15 anos mudou-se para a cidade do Cabo, ao serviço de outra ONG, novamente com o cargo de directora e trabalhando com jovens, numa das comunidades "mais perigosas" do país. O seu trabalho desenvolve-se nas favelas, dinamizando diversos programas junto dos pais, famílias e escolas (ajudando os jovens a concluir os estudos e conseguindo dessa forma ir para o colégio ou universidade), prestando informações sobre a Sida, ou ajudando na saúde mental, contando com o apoio de psicólogos. Esta ONG com origem nos Salesianos, possui uma Academia que integra jovens que aprendem "coding" (Item, Jawascript -. Linguagens de computadores para produção de websites ou apps), podendo posteriormente obter trabalho em empresas com base nos conhecimentos adquiridos.

Assegura que este trabalho "é a minha paixão", porque "gosto muito do que faço".

ONG empenhadas no combate ao vírus

Com o avanço do coronavírus em África, as atenções desta ONG viraram-se inevitavelmente para esta realidade, "quando a cidade do Cabo se tornou no centro da pandemia", precisou.

Assim, têm vindo a cooperar muito com o Governo, "junto das escolas", tentando "treinar" os alunos e professores - após estes estabelecimentos terem sido abertos "no centro da pandemia" -, para que saibam a melhor forma de se protegerem, face às dificuldades com que os governantes se enfrentam para combater a infecção nas favelas, explicou Sofia Neves.

"Condições de isolamento não são as ideais"

"As condições de isolamento não são ideais e as pessoas não conseguem manter esse isolamento", esclareceu, levando-as a "trabalhar junto da população e tentar encontrar soluções realistas" tendo em conta a forma como vivem, em casas de lata pequenas em que "chegam a habitar 10 pessoas", exemplificou.

Estas situações complicadas de gerir exigem soluções diferentes das de outros pontos do mundo, começando por "ensiná-los como é que o vírus se transmite e como o podemos prevenir e proteger as pessoas" no seio de comunidades que compartem casas de banho e torneiras de água.

Sofia Neves referiu que existe algum material de protecção, mas faltam testes, o que impediu que o Governo levasse por diante a estratégia de testar o maior número de contaminados e "isolá-los o mais rapidamente possível".

Perante esta insuficiência, a opção passa por pedir à população que quem tiver "algum sinal de Covid, deve isolar-se em casa por 14 dias".

Fazer máscaras em casa

As máscaras utilizadas pela generalidade dos sul-africanos são de tecido. Obrigatórias quando se sai de casa, a par de se dever manter um distanciamento físico. Face às dificuldades em conseguir material de protecção, os habitantes "fazem as máscaras em casa com o tecido que possuem", mas tudo isto se complica quando são obrigados a sair quando não têm que comer, devendo "trabalhar e buscar comida". Esta ONG colabora no fornecimento de alimentação às pessoas, dando-lhes dinheiro para que comprem nos supermercados.

A ansiedade apodera-se igualmente delas, obrigando a que os psicólogos intervenham, apoiando-as "principalmente através do telefone", no combate ao "stress" que aumenta numa altura em que começa a morrer muita gente na cidade do Cabo, muitos dos falecidos conhecidos nas comunidades o que origina "pânico". Apesar de o Governo ter ordenado manter toda a gente em casa, quando ainda havia muito poucos casos.

Serviço Nacional de Saúde aquém das necessidades

O Serviço Nacional de Saúde sul-africano existe mas "é muito pobre", a exemplo do que sucede na generalidade dos países africanos (embora precisasse que estes serviços sul-africanos "são muito melhores do que noutros países"), a par de já não se encontrar em boas condições de funcionamento antes do surto pandémico.

Exemplificou que os sul-africanos, quando pretendem aceder aos cuidados de saúde num centro hospitalar, são forçados a ir para lá bem cedo (às cinco da manhã) e muitas vezes "só são atendidos à tarde ou tendo de regressar a casa sem obterem consulta por insuficiência de serviços". Com o vírus, "as coisas estão a piorar muito mais".

Evitar que o vírus não entrasse nas favelas não resultou

A propagação da doença aumentou, designadamente através daqueles que saíram do país, "ou por serem mais ricos ou viajando por turismo ou trabalho", embora as autoridades sul-africanos tivessem a esperança de que pelo facto de viverem em melhores condições seria mais fácil "controlar" a pandemia, daí o terem decidido decretar um confinamento geral, tentando que "o vírus não entrasse nas favelas". Esta estratégia resultou nalgumas partes do país, mas em grandes cidades como é o caso do Cabo, ele já estava presente nos bairros pobres.

"Números a crescerem muito"

Perante este cenário, Sofia Neves não tem dúvidas que o contágio vai intensificar-se, e que no caso do Cabo, "ainda estamos muito longe do pico". O próprio Governo acentua que a rapidez com que o vírus se expande levará a que apenas em Julho/Agosto se atingirá o seu ponto mais alto.

Apesar de os responsáveis de saúde terem tentado incrementar e reforçar os meios de tratamento, esta caminhense teme que não sejam suficientes perante o evoluir da pandemia, acreditando que, infelizmente "veremos na África do Sul o que vimos na Espanha, Itália e Inglaterra", existindo a possibilidade de voltar toda a gente a ser confinada.

A probabilidade de o calor poder contribuir para conter a expansão do vírus, o que poderia favorecer países africanos, "não tem ainda uma base científica", embora apontando como exemplo os diversos surtos epidemiológicos na Europa que coincidiram com o inverno. No continenete europeu, com o fim do Inverno, a onda diminuiu, anotou, havendo receios de que com o Outono possa recrudescer.

No respeitante a África, "a epidemia surge muitos meses depois da Europa" numa época considerada habitualmente como Inverno, daí o aumento dos casos, esperando que com o início da Primavera, Setembro/Outubro, mais para diante, possa melhorar.

Receio quanto ao futuro

Perspectivando ainda o futuro de África com o evoluir da pandemia, Sofia Pereira Neves teme que venha a seguir os passos da América do Sul, com muitas pessoas a morrer e um sistema de saúde em colapso.

Pedindo-lhe uma apreciação à atitude de governantes de países como EUA, Brasil, Inglaterra ou Suécia perante o problema do vírus, esta caminhense concorda com a posição inicial da Suécia - embora admita que "é um tema muito controverso" -, atendendo a que já viveu na Escandinávia e, frisou, "se há um país que poderia ter tentado isso (imunidade de grupo) era a Suécia".

Justificando a sua opinião, assegurou que os habitantes deste país "confiam no Governo e se lhes pedem para fazer alguma coisa, eles seguem as suas recomendações", a par de "não existirem problemas sociais muito graves" neste estado escandinavo. Admitiu que se eles tivessem conseguido atingir esse objectivo, isso "seria o correcto" e o problema estaria resolvido.

Deu ainda o exemplo da Nova Zelândia, que após o isolamento a que o país foi submetido, "eles controlaram as infecções" mas teme que "assim que abrirem as fronteiras e as pessoas possam voltar a esse país, o vírus vai regressar".

Vacina demorará

Explicando melhor o seu ponto de vista, aconselha todos a entender que o vírus vai continuar e "não desaparecerá rapidamente, a não ser que encontrem uma vacina", mas que "demoram tempo, anos, a serem desenvolvidas". Deu o exemplo do primeiro síndrome respiratório Sars em que não foi possível encontrar uma vacina, o que a leva a duvidar se ela vai surgir no próximo ano, vincando ser necessário "aprender a viver com o vírus", e insiste na boa opção da Suécia, apesar dos custos humanos, registe-se. Precisa que "ainda não sabemos se a opção tomada vai funcionar, apesar de ter muitos mais mortos do que nos países vizinhos", dizendo ser necessário comprovar se não surgirá uma segunda onda que possa ocasionar mais falecimentos nestes países limítrofes que apostaram no confinamento, do que na Suécia.

Falta de liderança

A propósito da Inglaterra e das políticas seguidas inicialmente, já tem uma posição diferente, "porque não tinham condições para o fazer, porque possuíam uma população mais envelhecida, além de o sistema de saúde não ser tão forte como o da Suécia".

Se não critica a Suécia, já o mesmo não sucede com o Brasil e EUA (esboça um sorriso de pena) pelo rumo seguido pelos seus presidentes, evidenciando "não terem qualquer liderança o que será caótico para os dois países".

Sofia Neves aponta ainda que "se há coisa que esta pandemia está a demonstrar, é quem é um verdeiro líder", aproveitando a ocasião para elogiar o caso português.

"Caminha é um encanto"

Terminando com uma apreciação em relação à terra que a viu nascer e onde cresceu, vincou que "Caminha foi sempre a minha casa, não importando há quantos anos estou fora do país", e no Natal, quando pode, regressa sempre a esta vila.

Recorda que quando cá viveu "e andava na rua, toda a gente me conhecia e me cumprimentava e também porque conheciam os meus pais" daí esse "encanto" por Caminha.

Deseja o melhor para Caminha, para todos os caminhenses, porque, sinaliza: "eu adoro o que faço (na África do Sul), mas adoro Caminha".

Uma companhia muito querida

Espera poder voltar em breve, mas "agora, viajar está difícil", além de poder contar actualmente com uma companhia muito querida, um miúdo que adoptou há dois anos na África do Sul, mas ainda não tem em seu poder todos os papéis que lhe permitam viajar com ele, o que aumenta "as saudades de voltar a Caminha, com o meu filho", reforça, fazendo votos para que consiga vir a Portugal no fim do ano, ou, então, no próximo.


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Do Coura se fez luz. Hidroeletricidade, iluminação pública e política no Alto Minho (1906-1960)"
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Edição: C@2000/Afrontamento
Apoiado pela Fundação EDP


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