A análise da paisagem cultural, enquanto realidade evolutiva e viva, impõe-se de modo ainda mais premente em períodos onde a combinação de forças exógenas e endógenas impulsionam processos de mudança de tal modo céleres e profundos que originam fases de turbulência, na construção de um novo equilíbrio.
A viragem para a segunda metade do século XX inaugurou, sensivelmente, um desses períodos de mutação da paisagens agro-silvo-pastoris do Alto Minho, cujo resultado final desconhecemos ainda. O progressivo despovoamento das freguesias mais rurais, principiando pelas aldeias de montanha, associado à sistemática diminuição da população agrícola, processos decorrentes de importantes fluxos migratórios internos e externos, estiveram na origem de uma paisagem rural desprovida da força de trabalho que assegurava a sua continua renovação, uma herança da agro-silvo-pastorícia tradicional em declínio.
Manifestam-se de forma evidente os sinais de desestruturação de uma paisagem que se alicerçava num modelo socioeconómico que praticamente desapareceu, por não ser economicamente viável no contexto da globalização. O recuo da atividade agrícola favorece o avanço dos matos e da vegetação arbustiva sobre os terrenos de cultivo. A rutura dos elos de complementaridade entre a agricultura, a pastorícia e silvicultura propiciou a degradação do espaço florestal, em consequência da perda da ligação quotidiana que as populações possuíam com os matos e as bouças, da ausência de gestão dos combustíveis lenhosos, outrora fundamentais para a produção de adubo e energia, da criação de um vazio que possibilitou a expansão dos povoamentos monoculturais de pinheiro e eucalipto fomentados pela indústria da celulose. Simultaneamente, assistimos à ocupação hegemónica dos solos aluvionares e coluvionares do rio Lima e principais tributários pela monocultura do milho, destinado quase exclusivamente à ensilagem para alimentação do efetivo bovino.
Estes dois processos revelam uma tendência de base: a industrialização da paisagem por força da especialização produtiva e funcional, com importantes implicações na desregulação do equilíbrio eco-sociológico pré-existente, na perda de diversidade paisagística e biológica, no gradual desaparecimento e/ou descaracterização do património vernacular, desde as tipologias arquitetónicas típicas da casa agrícola até às construções cuja manutenção era motivada pelas funções desempenhadas no quadro da agro-pastorícia tradicional: moinhos, eiras, lagares, sistemas de regadio, entre muitos outros.
Esta nova paisagem rural revela-se igualmente uma paisagem de monopólios: é menor o número e a representatividade local dos atores socioeconómicos que contribuem para a sua construção. Por outro lado, são paisagens construídas de fora para dentro, onde as populações locais muitas vezes têm reduzido poder para intervir na sua evolução, mesmo quando se organizam civicamente para contestar a implantação de atividades de exploração de recursos minerais com elevado impacto ambiental, como é o exemplo do lítio. Deste modo, as paisagens rurais do século XXI no Alto Minho podem ser entendidas como um produto da globalização e da sua tendência para a estandardização e para o desenraizamento territorial. Paralelamente verifica-se um processo de descaracterização da paisagem rural característica da "Ribeira Lima", especialmente nas freguesias próximas a centralidades médias, como consequência da expansão urbana difusa.
A dimensão produtiva das paisagens culturais não poderá, de modo algum, ser preterida em relação a outros valores, como o ambiental, o patrimonial e o estético. Porém, se admitimos que a transformação da paisagem e das suas lógicas funcionais é inevitável e até desejável, defendemos a necessidade de acompanhar e orientar a transformação das paisagens rurais, recorrendo à aplicação e, se necessário, aperfeiçoamento dos instrumentos de gestão territorial, de forma a garantir que a implementação de uma nova estratégia de rentabilização dos recursos territoriais não coloque em causa o legado paisagístico herdado - um legado que representa milénios de evolução e que traduzia uma relação de equilíbrio dinâmico entre o Homem e o Meio.
No momento de turbulência e indefinição que atravessa, a paisagem do Alto Minho, apresenta-se como um mosaico de coexistência entre os modelos passados e atuais, bem como de registos de transição efémeros. A matriz agro-silvo-pastoril herdada do passado persiste, ainda que diluída, nos seus traços mais vincados: aqueles que refletem a adaptação multissecular a um contexto biogeográfico específico e, especialmente, ao suporte geomorfológico. Porém, não sabemos quantas décadas nos restam evitar a perda absoluta desta paisagem cultural. O acentuado envelhecimento da população rural, aproxima-nos rapidamente do desaparecimento da última geração que assegura ainda a continuidade dos sistemas produtivos e práticas indispensáveis à sua manutenção. Não sabemos que forma terá a nova ordem dos territórios agro-silvo-pastoris ancestrais. Os recursos existentes nestes espaços já não são suficientemente atrativos para justificar novos modelos de rentabilização do seu potencial produtivo?
Impõe-se uma definição coletiva e socialmente participada sobre que paisagens queremos e que funções esperamos que desempenhem. Só então poderemos procurar as soluções para a fase de distúrbio atual.