PODER LOCAL DEMOCRÁTICO
Intervenção Social e Comunitária
A construção da sociedade humana, por pessoas com as mais diversas e insondáveis caraterísticas biopsíquicas, determina uma complexidade que, possivelmente, não se encontrará em nenhum outro agrupamento animal ou vegetal, nos quais o que mais predomina são os instintos gregários de defesa do grupo e manutenção do território, sob o controlo do mais forte da respetiva espécie.
O ser humano, na primeira fase da vida de cada indivíduo, nem sequer é o mais forte, bem pelo contrário, a fragilidade, a insegurança e a desconexão de movimentos, são caraterísticas bem visíveis. Nos primeiros anos de vida, quase não se verifica qualquer supremacia em relação aos outros seres. Existe, sim, desde o momento da conceção, a dignidade devida à pessoa humana, independentemente da sua idade, caraterísticas físicas, capacidades intelectuais e estatuto social.
No atual estádio de desenvolvimento da humanidade, em que se verifica uma evolução positiva em certos países, grupos e individualidades, mas também uma regressão, pelo menos uma estagnação, relativamente a comunidades referenciadas, dentro dos próprios países, mais desenvolvidos economicamente, podendo-se, ainda, admitir que haverá situações pontuais de degradação que ultrapassa o limiar da pobreza, problemas verdadeiramente infra-humanos.
E se a regra, em muitos países, é um certo conforto e boas expetativas de vida, também será relativamente fácil verificar que existem bolsas de sofrimento de vária ordem, desde a miséria material à patologia psíquica, que conduzem ao desânimo, à revolta e ao conflito: primeiro, social; depois, o confronto físico e generalização para as lutas pelo poder, pelos bens, pela alteração de estatutos.
Em Portugal, como em muitos outros países, ou até em todos os países do mundo, há um grande trabalho a desenvolver, no domínio da intervenção social e comunitária, na medida em que os problemas sociais são diversificados e afetam grandes camadas das populações, o que se pode verificar, inclusivamente, nas pequenas comunidades rurais, nos centros urbanos e localidades periféricas às grandes metrópoles e, com algum significado, já no interior das cidades.
Situações que vão: do desemprego de longa duração ao emprego precário; dos salários insuficientes (e/ou ao não pagamento dos mesmos) às reformas exíguas; das doenças em listas de espera para uma primeira consulta; à degradação física por insuficiência de alimentos, intempéries e falta de abrigo; da toxicodependência à marginalização social; da opulência de alguns à miséria de muitos.
Esta poderá ser a situação mundial, eventualmente descrita sem alarmismos, embora com alguma dose de realismo, porém, sem pessimismo e muito menos sem qualquer descrença no futuro, pelo contrário, acreditando-se que é possível melhorar muito, a partir das capacidades e boa-vontade das pessoas.
O quadro que parece corresponder à realidade social, um pouco por todo o mundo, pode (e deve) reverter-se para situações mais promissoras, em termos de bem-estar social das populações, bastando, para tanto, que: cada pessoa em particular; as instituições, em geral, assim o desejem.
Ao nível das pessoas, afigura-se necessário que a partir da família, da Igreja, da escola, das instituições governamentais e de solidariedade social, se difunda uma forte campanha de sensibilização e depois de formação social da sociedade, isto é, institucionalizar o verdadeiro significado social que pode significar: "(…) o sentido das repercussões dos atos pessoais sobre a vida social. Não há verdadeira caridade sem o sentido social, sem o cuidado e atenção às pessoas e ao bem comum. A formação do sentido social é de uma necessidade peremptória. É necessário fomentar cada vez mais em todas as classes e em todas as idades. (…) Estas são as linhas chaves do edifício social: A eminente dignidade da pessoa humana; a igualdade essencial de todos os homens; a estreita solidariedade dos seres humanos. O homem sujeito de direitos e deveres." (GALACHE, GINER, ARANZADI, (1969:241).
O combate a esta verdadeira chaga dos tempos atuais, que são as questões sociais, felizmente, tem vindo a intensificar-se com a criação e atuação de serviços especializados, na área de intervenção e assistência sociais, inclusivamente, no seio de grandes e bem estruturadas empresas nacionais e multinacionais.
Muito mais recuadamente no tempo, as instituições privadas de solidariedade social, quase sempre sob o patrocínio da Igreja Católica e o próprio Estado, através dos respetivos departamentos, têm realizado um trabalho meritório, ainda que insuficiente.
Para complementar, não no sentido de colmatar, mas minimizar o sofrimento daqueles que continuam sem receber qualquer apoio, podem as autarquias locais - Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia - desejável e preferencialmente em parceria, acudir às necessidades mais prementes, nas respetivas áreas de suas jurisdições. Com efeito, a criação, funcionamento e permanente atualização de um Serviço especializado de intervenção social e comunitária é o mínimo que se pode exigir às instituições públicas, que administram os recursos financeiros que têm disponíveis.
Acredita-se ser possível a qualquer Câmara Municipal assumir uma tão nobre função, estruturando um Serviço de Assistência Social para toda a área do município, em parceria com as Juntas de Freguesia, as instituições privadas de solidariedade social e as próprias empresas, cuja coordenação ficaria na responsabilidade do executivo, concretamente no vereador que tivesse tal pelouro atribuído (ou mesmo na presidência), incluindo-se neste projecto as próprias pessoas interessadas na resolução de sua situação social.
Concordando-se com a metodologia segundo a qual: "Acreditamos que se deva adoptar um estilo de coordenação e de criação de clima para que uma participação das pessoas na própria solução de seus problemas de cunho social possa ocorrer. Um trabalho cuidadoso no sentido de não apenas dar, mas também, especialmente, de coordenar o próprio esforço do grupo, no sentido de buscar-se a operacionalização das soluções grupais (…). Nesse particular, é preciso que as direcções-chave das organizações não fiquem numa posição defensiva quanto à organização de grupos sociais fora e dentro da organização, pois na comunhão de esforços dos grupos, participando da condução de projetos com objetivos comuns, está o caminho para um relacionamento de trabalho adulto." (TOLEDO, 1986:49-50).
Seria com esta perspectiva metodológica que o papel das Juntas de Freguesia se tornaria imprescindível, porque, melhor do que os próprios técnicos de serviço social, são estes autarcas que conhecem as realidades das suas próprias aldeias, aliás, economizar-se-iam muitos recursos, desde logo financeiros, e também em géneros, evitando-se as tentativas de distorção da realidade, ou as, por vezes, injustas análises informáticas a partir de dados incorretos, introduzidos no sistema, por desconhecimento da realidade existente.
No espaço territorial dos pequenos municípios é relativamente fácil às respetivas Câmaras Municipais, dotarem-se dos meios adequados para combater este flagelo, sem necessidade de recorrer a muitos técnicos e pessoal de apoio, desde que possam aproveitar as capacidades, conhecimentos e generosa disponibilidade dos membros das Juntas de Freguesia que, em regra, nunca regateiam a sua colaboração, bem pelo contrário, sentem-se muito honrados e dignificados, quando são chamados a participar nos projetos que dizem respeito às suas populações, às suas terras, ao seu concelho e até ao seu país.
As autarquias locais: não pretendem; legalmente, não podem; e institucionalmente, não devem trabalhar, na área social, como noutros domínios, em competição desleal e à revelia dos normativos legais, da competência técnico-jurídica dos Serviços Oficiais da Administração Central como, na circunstância, são os Centros Regionais de Segurança Social.
Pelo contrário, devem disponibilizar-se, totalmente, para com eles colaborarem, o que não invalida a conceção, execução e verificação de projetos sociais específicos, os quais, numa relação de cooperação institucional, devem dá-los a conhecer aos referidos Centros Regionais, propondo-lhes, naturalmente, a sua adesão e apoios diversos: financeiros, recursos humanos, materiais e quaisquer outros que aproveitem à solução da situação social em concreto
A intervenção social reveste-se, na atualidade, de uma importância que ultrapassa quaisquer outras atividades humanas, nela se incluindo a cooperação médico-sanitária às comunidades e indivíduos mais carenciados, que não possuem recursos para custearem despesas de consultas e tratamentos médicos, das diversas especialidades e, por maioria de razão, suportarem gastos com deslocações ao estrangeiro, para tratamentos médicos muito específicos.
Também aqui, os interventores sociais desempenham um duplo papel, fundamental à tomada da decisão, justa e adequada, por parte do executivo institucional, na medida em que analisa técnica e humanamente a situação, e a descreve, depois, com isenção, realismo e justiça social.
Pode-se adotar aqui o conceito de justiça, aplicado aos problemas pessoais: "A justiça não significa necessariamente que todos devem ser tratados da mesma forma, mas ela significa que ao tomar decisões sobre indivíduos, todos os fatores relacionados com o problema devem receber peso adequado, e que a decisão deve ser equitativa." (CARNEGIE & ASSOCIADOS, 1978:236).
Na qualidade de instituição interventora social, a Câmara Municipal, em parceria com as entidades já referidas, assumindo uma função coordenadora e também como entidade que vai subsidiar um determinado projeto social, seja para uma pessoa, família, grupo ou comunidade, deve rodear-se de toda a informação verdadeira, decidir com justiça, com nobreza de caráter e com absoluto respeito pela dignidade das pessoas, famílias, grupos e comunidade carenciados.
Bibliografia
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