"Ao pavor" incrustado "na mente das pessoas", resta-lhes a fé, daí a criação de irmandades ou confrarias com a finalidade de "obterem bençãos de Deus para todos", esta foi uma das formas utilizadas pelo Vigário-geral da Diocese de Viana do Castelo, Sebastião Ferreira, para justificar a criação dos clamores.
Coincidindo com o encerramento da exposição de arte sacra patente durante os últimos meses no Centro Cultural de Vila Praia de Âncora, foi organizada uma conferência, tendo sido convidado como orador o sacerdote ribancorense Sebastião Ferreira.
Aproveitou para elogiar a iniciativa e gabar a riqueza patrimonial exposta, nomeadamente da zona circundante da Capela de Santo Isidoro, tema da palestra que proferiu e a ser publicada no jornal "Terra e Mar".
Confraria com ascendente sobre as demais
A importância da Confraria de Stº Isidoro (possuidora de duas bulas papais), criada na freguesia de Moledo, diz-se que em 1223 (data que Sebastião Ferreira põe em causa, antes apontando para próximo de 1300), cuja capela se teria tornado num albergue de peregrinos em direcção a Santiago, viria a criar um ascendente sobre as restantes paróquias.
A cruz paroquial de Stª Isidoro sobrepunha-se às demais, apesar de rodar todos os anos pelas diferentes paróquias, a quem correspondia organizar o clamor, até que em 1969/70 a confraria entrou em decadência, tendo permanecido em Azevedo, à guarda de António José de Azevedo.
O vigário-geral justificou o aparecimento dos clamores como "uma busca de alguém que venha em auxílio de outrém", nomeadamente em períodos de grandes catástrofes, como o seriam as epidemias, sequias ou temporais.
Pessoas irmanadas
Tratava-se de "procissões de preces ou penitências em que os fiéis vão rezando alto e em coro", deslocando-se "de um lugar sagrado para outro", apontando como um dos percursos, os 15 quilómetros que esses ritos religiosos percorriam desde a Capela de Stº Isidoro até ao Convento de S. João d'Arga, no final das quais se realizava uma celebração litúrgica.
O orador salientou que tais "movimentos de pessoas numa procissão (com baús e alfaias agrícolas à cabeça) dão ênfase à oração", contribuindo para que os participantes se sintam irmanados pelo mesmo objectivo que os levou a participar neste clamores.
Referiu as várias procissões existentes, designadamente as que coincidiam com as têmporas, no início das estações do ano, no seguimento de rituais pagãos que celebravam as colheitas (ceifas do azeitona, vinho e trigo) e que foram posteriormente cristianizados.
Sebastião Ferreira aludiu ao rigor com que eram seguidos os estatutos desta confraria pelos seus sócios (freguesias e pessoas individuais), bem como à idoneidade dos seus membros, penalizados com coimas se não cumprissem o seu regulamento, na maioria dos casos por faltas aos clamores. E era dessas coimas, dádivas e esmolas que sobrevivia esta confraria que isentava do pagamento de jóia os seus membros.
Três actualizações conhecidas dos Estatutos
Em 1978 existiam 675 confrarias em todo o Alto Minho, anotou este sacerdote natural do concelho de Caminha, após ter referido os altos e baixos por que passou a Confraria de Santo Isidoro - um santo espanhol. Apontou um ano menos bom em 1724 e referiu a existência de três estatutos da confraria: Um de 4 de Agosto de 1600, confirmado a 13 de Julho do ano seguinte pelo Bispo da Diocese de Braga; Outra revisão em 1685, cujo original ficara na posse do pároco de Afife, embora a sede da confraria permanessse em Moledo; e uma terceira actualização, de 1806, cuja redacção fora da responsabilidade dos párocos de Azevedo, Moledo e Riba d'Âncora, dizendo existir uma cópia de 1875 na Biblioteca Municipal de Caminha.
Sobre as vicissitudes desta confraria que acabaria por extinguir a sua actividade em 1969 (mas não os clamores), como já foi referido, assinalou o período conturbado para a Igreja Católica que se seguiu no ano seguinte ao da implantação da República em 1910, seguindo-se a recuperação "da posse e administração dos bens por parte da Igreja" durante a ditadura de Sidónio Pais, até que a situação do relacionamento entre o Estado e Igreja foi objecto de acordo com a Santa Sé em 7 de Maio 1940, com a assinatura da Concordata.
No final da palestra, Sebastião Ferreira manifestou vontade em reatar a tradição dos Clamores de Santo Isidoro, "envolvendo todas as freguesias" que no passado, anualmente, se revezavam na sua organização.