Jornal Digital Regional
Nº 531: 19/25 Mar 11
(Semanal - Sábados)






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Três árvores e duas casas com História

Assinalando o início da Primavera, comemora-se no dia 21 de Março o Dia Mundial da Árvore. Dado por adquirido o valor simbólico da efeméride e o seu correspondente significado ambiental, a data serve-nos de pretexto para recordarmos que as árvores também têm uma História e que no concelho de Caminha há três magníficas Árvores de Interesse Público. Trata-se de uma classificação da responsabilidade da Autoridade Florestal Nacional com estatuto semelhante ao do património arquitectónico mas menos conhecido e, também por isso mesmo, pouco valorizado. Em Portugal, a árvore tida como mais monumental é uma antiquíssima oliveira algarvia situada bem no coração do aldeamento turístico de Pedras D'El Rey, em Santa Luzia (Tavira), com a espantosa idade de 2215 anos, reenviando-nos para a presença romana na Península Ibérica. Ainda assim nada de especial se comparamos com os mais de 9500 anos atribuídos pela datação por radiocarbono ao pinheiro nórdico identificado em 2008 na província de Dalarna, na Suécia, considerada na literatura da especialidade a árvore mais antiga do mundo.

As árvores de interesse público existentes no concelho de Caminha são então três, um número que faz alguma figura no contexto alto-minhoto que conta com vinte exemplares, sendo que a parte de leão cabe ao concelho de Viana do Castelo com catorze. Facilmente identificável, a primeira árvore a ser classificada, em 1995, foi a araucária-de-norfolk plantada no jardim da Casa Morais Cabral, na Rua 5 de Outubro (nº 76 a 80), em pleno centro urbano de Vila Praia de Âncora. Ponto de referência para pescadores e mareantes, a última medição realizada em 2006 contabilizou 47 m de altura para 8,8 m de perímetro na base e 16 m de diâmetro máximo na copa. A idade atribuída pela ANF é de cerca de 125 anos, o que corresponde à data conhecida da construção da casa a que está anexa, também ela de grande interesse patrimonial e inventariada como tal desde 1996.

Com a preciosa ajuda do seu actual proprietário, Dr. João Adelino de Morais Cabral, podemos adiantar que a moradia da Rua 5 de Outubro - um dos melhores exemplos de arquitectura oitocentista no concelho - terá sido construída em 1886 a partir de diversos edifícios anteriores (casa primitiva, casa do cocheiro, cavalariça, loja). Pertencia então a um "brasileiro" regressado rico dos trópicos, João Afonso Guimarães, natural de Boivão (Valença), casado com Carolina Cândida do Cruzeiro Seixas - mais tarde conhecida em Âncora por Carolina Maia, do apelido do seu segundo marido. Foi a esta senhora, sua prima direita, que Clementina Rosa de Barros, viúva de João Bernardo Xavier de Morais Cabral - juiz de direito, natural de Valença, que foi administrador do concelho de Caminha de 1886 a 1888 - comprou a casa em meados dos anos trinta do século XX, ficando a partir daí na posse da família Morais Cabral. À medida que crescia, a verde araucária foi pois testemunha privilegiada do movimento democrático ancorense, desde os tempos exaltantes da Primeira República aos momentos difíceis da oposição ao salazarismo, de que foi um dos principais protagonistas o juiz conselheiro João de Barros Morais Cabral (1891-1972).

Viajando poucos quilómetros para norte, percorremos o Camarido pelo antigo traçado da estrada nacional antes de chegarmos ao lugar de Esteiró, na freguesia de Vilarelho, onde no frondoso parque privado que rodeia a Casa de Esteiró, junto ao Hotel Porta do Sol, encontramos as outras duas árvores de interesse público do concelho. Ambas classificadas em 2006, a mais vetusta de entre elas é um eucalipto de grande porte, com 47 m de altura, 9 m de perímetro na base e 18 m de diâmetro máximo de copa, calculando-lhe a ANF uma idade de 160 anos. Algo mais nova é a vizinha araucária-de-norfolk, cujos 120 anos sustentam os seus 36 m de altura com 3,75 m de perímetro na base e 7 m de diâmetro máximo de copa.

Apesar da sua idade respeitável, estas duas árvores serão posteriores à primitiva construção existente neste parque - hoje cortado pela variante à EN13 -, levantada no século XVIII para ser pavilhão de caça da família Pitta. Entretanto adquirida por Manuel Maria da Costa Alpoim, Visconde de Negrelos, mudaria novamente de mãos pouco depois ao entrar na posse de José Gerardo Coelho Vieira Pinto do Vale Peixoto de Villas-Boas, Visconde de Guilhomil. Nascido em Braga em 1863 como filho segundo do Barão de Paçô Vieira e formado em Direito em 1885, seguiu a magistratura tendo exercido logo no início da carreira o cargo de delegado do procurador régio em Caminha, aqui casando em 1887 com Mariana Teodora Correia Moreira de Lima Barreto. Foi nesta época que a família adquiriu a casa em Esteiró e provavelmente a reformou, bem como o parque que a rodeava, plantando então a araucária hoje centenária. Conhecida por "Vila Teodora" na fase final da Monarquia, a casa foi lugar de reuniões e conspirações políticas em que Guilhomil, como chefe político local do Partido Progressista, fazia valer a sua influência e procurava colocar os seus protegidos nos lugares públicos da região. A Casa de Esteiró, cujo actual proprietário é o embaixador José Manuel Villas-Boas - de cujo valioso Caderno de Memórias (Temas e Debates, 2003) me socorri - funciona na actualidade como unidade de Turismo Rural, proporcionando aos seus visitantes o usufruto do seu património botânico.

Três belas árvores de interesse público e duas notáveis casas plenas de memórias - felizmente todas bem conservadas e cuidadas pelos seus proprietários - representando exemplarmente, cada uma a seu modo, a História contemporânea do concelho até perto dos nossos dias, mais monárquica e conservadora da banda caminhense, de pendor republicano e democrático do lado ancorense.

pntbento@mail.telepac.pt, 19 de Março de 2011