A dimensão axiológica que se prende com o conjunto de princípios, referências, e valores, inerentes ao homem, parte da corrente humanista a qual lhe reconhece uma dimensão e uma dignidade específicas. E se em vários domínios do conhecimento, se apoia um projeto inimitável para o homem, é na Religião, na Filosofia, na Educação e, de uma forma geral, nas Ciências Sociais e Humanas, que um projeto humanista mais profundamente se defende, na já longa e complexa história da humanidade.
Segue-se que todos os princípios, referências e valores, não podem ignorar o conceito básico que emana do humanismo: o Homem como princípio e fim de toda a ação, qualquer que seja a sua condição e estatuto social. O homem em toda a sua grandeza: qualidades, virtudes, altruísmo; mas também com todas as suas fraquezas: Imperfeições, defeitos, erros, instabilidade, medo de um mundo que lhe é misterioso.
O homem tem-se deslumbrado com um mundo que ele vem construindo, que lhe proporciona bens de primeira necessidade, mas também muitos outros que são supérfluos, e ainda outros que lhe são prejudiciais e, em algumas situações, lhe são fatais. O homem, porém, tem-se esquecido de outros bens que, cada vez mais, se consideram essenciais, justamente, compatíveis com a sua condição superior, em todo o reino animal.
O poder interior que brota de cada pessoa, resultante da convicção profunda dos deveres cumpridos, da realização plena de projetos dignos da espécie humana, que elevam o homem à condição de "divinizável" em relação a todos os outros animais, constitui um privilégio que deve ser orientado para o bem, para o que é superior, para relações pessoais de sincera cordialidade e respeito, enfim, para a vida boa.
A sociedade deste novo século, que progride para a globalização, em vários domínios: científico, tecnológico, económico, mercantil, infelizmente, não está no mesmo rumo no que se refere à axiologia, designadamente, nos valores que ela comporta e são específicos das diversas dimensões da pessoa humana, revelando-se, uma vez mais, interessada em práticas que menorizam e humilham a pessoa.
Globalizar a paz, a democracia, a saúde, o trabalho, a distribuição equitativa das riquezas naturais, a liberdade em todas as suas vertentes, a igualdade de oportunidades e de tratamento, a fraternidade, independentemente de etnias, religiões, ideologias políticas e quaisquer outras convicções filosóficas, culturais e sociais, de estatutos e formas de estratificação societária, universalizar a segurança e a integridade física e psicológica de cada pessoa e das comunidades, reconhecer e preservar a propriedade privada legítima, legalmente adquirida e usufruída, serão medidas que se impõem aos dirigentes e à humanidade.
Compreende-se, com grande evidência, que o Mundo e o Homem se constroem no exercício do poder axiológico, qualquer que seja a hierarquia ou taxionomia dos valores, verdadeiramente compatíveis com a dignidade humana, irreconciliáveis com toda a forma e processo de violação, ao serviço de interesses ilegítimos, ilegais, localizados em grupos, elites ou situações negativamente discriminatórias para a maioria.
Genericamente considerada, poder-se-á conceptualizar a cultura sob várias perspectivas, porém, continua a prevalecer o seu significado mais restrito, como um conjunto de conhecimentos, não acessível a todos, que deslumbra aqueles que não a possuem, nesta dimensão, isto é, cultura no domínio das artes, das letras, da filosofia, das viagens, das línguas, dos diplomas, da ilustração, que conduz à eloquência, à oratória, à persuasão que, pela palavra se consegue. O homem culto, como sendo aquele que é admirado pela fluidez de conhecimentos, influência e atualização na evolução científica, tecnológica e da globalização.
Valorizar a cultura antropológica, como um património da humanidade, na sua diversidade mundial será, certamente, uma preocupação daqueles que têm por missão, desenvolver e avaliar esta cultura. O desenvolvimento pode fazer-se através da recuperação e divulgação, em eventos e outras cerimónias públicas, a partir da iniciativa privada ou dos organismos do Estado, e não só ao nível das pequenas comunidades, como também no quadro das grandes urbes com o objetivo de: compilar usos, costumes e tradições, compatíveis com uma cidadania de valores verdadeiramente humanistas; avaliar se em relação à autenticidade não há, ou há, alguma adulteração e, no caso de haver, se ela colide com aqueles valores.
O homem não é um ser de hoje, mas de todos os tempos. Tem uma história, um passado que vem evoluindo, um presente que é o hoje de cada dia que passa, e um futuro que o espera, desejavelmente sem renegar o passado. Neste presente que ainda vive, obviamente, não pode ignorar o passado vivido com mais ou menos erros, com bons e maus momentos.
Atualmente, e tendo em conta toda uma cultura que vem construindo, a começar na sociedade, pretensamente, cada vez mais organizada e "segura", porém, ainda muito distante do que talvez, seria desejável e necessário, e uma vez mais, pela falta, ou excesso de valores antropológicos, provenientes de toda uma disciplina e, dir-se-ia, respeito, não medo como no passado, todas as construções humanas, afinal, assentam em dois aspetos ou características importantes: a sociabilidade e a cultura.
Na humildade do titular de uma cultura antropológica é possível vislumbrar conhecimentos práticos, dir-se-ia, do senso-comum, portanto, diferentes daqueles dos religiosos, filosóficos, científicos e técnicos, o que vem valorizar todos estes, afinal, tratar-se-ia de uma outra via, que na ordem evolutiva até será a primeira, provavelmente, ainda antes do mito, pelo qual se procurava explicações para certos fenómenos, porque a cultura do homem primitivo já lhe possibilitava, se não resolver, pelo menos explicar os problemas mais elementares.
O investimento na cultura, aqui considerada no seu sentido mais geral, o que supõe a inclusão da cultura na sua expressão antropológica é, portanto, uma preocupação que se tem feito sentir ao longo dos tempos, o que se considera um bom indicador para o desenvolvimento humano, ainda que, eventualmente, insuficiente. A sensibilização e mobilização dos que detêm os recursos: humanos, científicos, técnicos e financeiros deve manifestar-se de forma inequívoca, mais significativa porque, como se tem analisado, verifica-se que ao longo das últimas décadas existe essa vontade em muitos países; assim como a concretização de projetos culturais noutros.
A condução e o sentido da vida, na perspectiva do maior bem para todos, e do cumprimento das normas que regem a boa convivência entre os homens, pressupõem padrões de exigência e rigor éticos, incompatíveis com a subjetividade de certos egoísmos e preconceitos individuais, ou de grupos, que negam toda a objetividade do exercício dos valores universais.
O conjunto destes referenciais ético-morais, que constituem a axiologia ou a filosofia dos valores, que integram toda uma cultura tradicional, caracteriza o homem civilizado, que vai sendo formado numa cultura de sentido antropológico, independentemente do elitismo ou enciclopedismo que se lhe possa associar.
O cidadão deste novo século será, porventura, o Ser mais rico de quantos habitam o nosso planeta, desde que seja formado nos valores da solidariedade, da amizade, da lealdade, da liberdade, da educação, da formação, da cultura, da religião e do respeito. Na verdade, a religião é como que o elo de ligação entre uma vida espiritual dos valores imateriais, e uma vida prática onde predomina a técnica, a ciência e a arte, ou seja, a vida material.
O cidadão que se esboça nesta reflexão, será um Ser especial que, dotado de múltiplas faculdades, ultrapassará muitas das vicissitudes da vida, na medida em que ele estará para além da vida terrena, porque possui uma consciência que lhe indica o caminho a seguir, principalmente os crentes que têm esperança numa outra vida.
A dimensão axiológica, que é intrínseca e, tanto quanto se sabe, exclusiva do ser humano, constitui um dos maiores patrimónios do homem-pessoa-cidadão. Sem princípios nem valores ético-morais, a humanidade tornar-se-ia numa autêntica selva caótica, onde as capacidades dos mais fortes se transformariam em leis de opressão, de humilhação e exploração dos mais fracos.
Os valores assumem, assim, uma dimensão insubstituível no homem e, independentemente da existência, em cada um em particular, e na sociedade em geral, de uma certa hierarquia dos valores, a verdade é que, a vida é pautada pela realização do maior número possível e, não raramente, se elabora a lista com valores abstratos e subjetivos como: a solidariedade, a perfeição, o amor, a lealdade, a amizade, a felicidade, a cumplicidade, a Graça Divina, entre muitos outros, igualmente possíveis de elencar e desejáveis pela maioria das pessoas.
Com a maior abertura e humildade para as críticas, ainda assim um dos valores que mais se pronuncia, como sendo muito desejado, é a felicidade. Este valor, que sob a forma de sentimento, estado de espírito, tranquilidade e paz interiores, poderá ser vivenciado: mais por uns; do que por outros; que possibilita ao cidadão que o desfruta, uma predisposição para o bem, na medida em que, a ausência de sofrimento, torna-o recetivo a acolher novas situações que os outros, seus semelhantes, lhe apresentam e, neste estado de alma, ter as melhores condições, no sentido de dar o seu contributo para as resolver, fazendo outras pessoas felizes e, simultaneamente, gratas e disponíveis para retribuir.
E se a felicidade contém, em si mesma, sentimentos resultantes da presença de Graças Divinas, então o cidadão tem todas as condições para contribuir na construção de uma sociedade mais justa, mais coesa, mais solidária, mais feliz.
Este cidadão que já se aproxima do ideal não será, no médio prazo, uma utopia, mas para isso é necessário que todos comecem a trabalhar, com espírito de autêntica felicidade, transmitindo aos seus concidadãos um sentimento de confiança, de tranquilidade e alegria.
O valor felicidade tornar-se-á num farol de forte referência, que iluminará o caminho de todos quantos desejam uma sociedade livre, ou onde possam reinar a concórdia, o bem-estar material e espiritual, uma sociedade de verdadeira felicidade, ao alcance de cada um mas, com o contributo de todos.
Provavelmente o mundo axiológico, deste novo século XXI, não é o mesmo que se verificava há um século atrás. Esta diferença de valores não significa que a sociedade atual não tenha valores, ou que estes sejam inferiores, ou superiores àqueles que se defendiam no passado. Na verdade, a sociedade moderna, aparentemente, parece não dar importância às várias dimensões imateriais, em benefício dos diferentes estatutos: poder, prestígio e económico.
Pode-se afirmar que os valores cívicos integram toda uma cultura, transversal a qualquer das áreas do conhecimento e, nesse sentido, quanto mais culto (cultura aqui entendida no seu sentido mais amplo) for o ser humano, melhores condições terá para compreender os seus concidadãos e, certamente, a capacidade de resolução de problemas poderá ser muito maior.
Tem sido hábito valorizar-se muito a cultura no seu sentido elitista, isto é, aquela cultura que é possível adquirir ao longo da vida, precisamente pelo maior ou menor poder económico do cidadão e que se avalia pelo grau académico, pelo domínio de idiomas, pela quantidade de viagens, pelos cargos que se ocupa e pela influência que se exerce. A cultura, no seu conceito antropológico é diferente, porquanto valoriza mais o indivíduo natural, espontâneo, no seu meio e nos seus afazeres quotidianos, obviamente sem descurar toda a evolução, para o bem e para o mal, que pela ciência, pela técnica e pelo pensamento tem vindo a registar-se.
Os avanços científicos e tecnológicos são dois vetores fundamentais para o progresso e bem-estar das pessoas e da humanidade, e quanto mais forem acompanhados pelo pensamento reflexivo e profundo, melhores serão os resultados. O ser humano, em parte, continua um mistério, na vida e na morte, e esta é a convicção da maioria das pessoas, em todo o mundo religioso.
Desvalorizar uma das muitas dimensões do homem, significa amputar-lhe um pouco da sua cultura, que constitui, afinal, toda a sua riqueza e diferença em relação ao resto da natureza existente e conhecida na terra. Dificilmente se poderá imaginar o homem inculto, seja na perspectiva antropológica, seja no conceito elitista, porque pelo menos uma daquelas culturas será possível detetá-la. Evidentemente que a dimensão cultural é apenas uma, entre diversas outras igualmente importantes.
A vida humana só faz sentido quando vivida em toda a sua dimensão ou, pelo menos, com mais intensidade numas, todavia, o Ser humano poderá tentar melhorar o seu desempenho mais numas do que noutras, sendo certo, todavia, que dificilmente, alcançará a perfeição.
A pessoa culturalmente interessada numa sociedade melhor, certamente, terá de abdicar de algumas práticas e pensamentos que, eventualmente, não se ajustam a estes tempos modernos, onde todos clamam por melhores condições de vida, mas poucos contribuem para tal objetivo, principalmente aqueles que teriam todos os recursos e capacidades intelectuais e, elitistamente, culturais para o fazer. Significa isto que, uma cultura para a vida constrói-se de cima para baixo, de quem governa para quem é governado, seja qual for o setor dessa governação, porque investindo-se na educação e na formação, os governados conseguem adquirir hábitos que os conduzem a melhores situações de vida.
O homem continua a ser uma imensidão de potencialidades, que é necessário explorá-las e passá-las a atos concretos. A intolerância só tem conduzido à explosão da violência em todo o mundo, com consequências dramáticas para as populações inocentes e sofrimento atroz para crianças, idosos, mulheres e pessoas indefesas.
A esperança, enquanto atitude positiva de perspectiva futura, deverá acompanhar cada pessoa, cada grupo, cada comunidade e a sociedade global, portanto, importa acreditar num mundo melhor, apostando na valorização das pessoas, pelos valores culturais. É com um pensamento otimista que melhor se poderá construir um futuro mais justo, uma sociedade que, verdadeiramente, respeite a dignidade humana.
Uma cultura para a vida verdadeiramente digna passa, indiscutivelmente, pela luta por um aperfeiçoamento constante, em todas as dimensões que são específicas do Ser humano, onde as pessoas se saibam respeitar, compreender e ajudar. Passa por uma educação bem precoce, no seio das instituições com mais influência na vida de cada um - família, Igreja, escola, coletividade, empresa, comunicação social, entre outras -, pese, embora, a circunstância de se verificar, em certos meios e mentalidades, alguma desvalorização daquelas instituições, concretamente das famílias.
Cada vez se torna mais pertinente uma ciência da antropologia, precisamente ao serviço do homem, considerado na sua dimensão última, ou seja, um Ser à imagem e semelhança do seu Criador, principalmente para os crentes, respeitando-se, sem quaisquer dúvidas, outras posições.