Um dos objectivos da Associação para a Recuperação da Memória Histórica do Campo de Concentração de Camposancos e da Fosa Comúns de Sestás criada em A Guarda no ano passado, era a publicação de um livro (conforme precisou Domínguez Freitas, seu presidente) que historiasse os horrores e atrocidades cometidas no antigo Colégio dos Jesuítas, transformado no início da Guerra Civil espanhola (1936-39) numa prisão de republicanos, essencialmente da Galiza, Astúrias, Cantábria e País Basco, que se tinham oposto ao golpe de estado fascista encabeçado por Franco.
Uris Guisantes, um guardés que "mais tem pesquisado nos arquivos" a repressão franquista e a história (fúnebre) desse campo de concentração - um dos cerca de 300 criados nessa época em Espanha -, pelos quais passaram entre 700.000 e um milhão de presos, foi um dos autores do livro "A Porta do Inferno - O Campo de Concentração de Camposancos" apresentado no passado dia 22 na Casa dos Alonsos, na vila guardesa.
Este historiador e Victor Arias, com quem partilhou este trabalho, detalharam a história deste local sinistro no qual foram fuzilados sumariamente ou em resultado de julgamentos fantoche dezenas de sindicalistas, professores, vereadores, dirigentes das casas do povo, etc., tendo ficado tristemente célebre o designado "esquadrão do amanhecer" comandado por um alferes falangista, conforme recordou Uris Guisantes na sua longa explanação.
Citado Saramago
Uris Guisantes insistiu na necessidade de recuperar a memória democrática e as vítimas da guerra civil (nomeadamente do lado republicano), o que tem vindo a acontecer um pouco por todo o Estado espanhol, graças aos apoios estabelecidos por decreto em 2020 pelo actual Governo de Madrid, na sua maioria mortos e enterrados na "cuneta" (valeta).
Aproveitou o momento para recordar as palavras do Nobel da Literatura José Saramago (casado que foi com uma espanhola), sobre a importância de reabilitar a memória histórica, ao ter dito que tudo "começa com o esquecimento e acaba com a indiferença".
Terão passado pelo campo de concentração de Camposancos cerca de 6.000 presos, incluindo mulheres e seus filhos menores, embora Uris Guisantes só tivesse conseguido contabilizar 3.620, dos quais publicou nesta obra a maior parte dos seus nomes.
"Ditadura deitou um monte de terra sobre os campos de concentração"
Vitor Arias, parafraseando o que tinha referido Domínguez Freitas ao abrir o acto seguido por cerca de 100 pessoas, os campos de concentração espanhóis (existiram 10 na Galiza) não eram iguais aos dos nazis, "mas respondem à mesma lógica", lamentando que tivesse sido imposto um "silêncio" sobre estes horrores, mesmo depois da chamada transição democrática verificada no país vizinho nos finais dos anos 70 do século passado, porque conseguiram pôr uma esponja sobre os crimes dos falangistas, processo só recentemente recuperado, embora a direita e seus acólitos já estejam a tentar pôr um travão, como se verifica actualmente na Comunidade de Madrid, refira-se.
Uris Guisantes relevou o apoio concedido pelos habitantes de Camposancos e A Guarda aos presos políticos, dentro das suas possibilidades e perante os condicionalismos impostos pelos mais de 30 oficiais franquistas que comandaram o campo de concentração durante o período do seu funcionamento, explicando ainda como se desenrolava o seu dia-a-dia, precisando as sevícias, privações, torturas e falta de higiene de que padeciam.
Este livro foi patrocinado pela Fundação 10 de Março, cujo representante marcou presença na apresentação e se mostrou disposto a apoiar mais edições, porque "foi um orgulho editar este memorial", reconheceu.
"As guerras são sempre horríveis"
O Concelho de A Guarda esteve presente nessa tarde, tendo o seu presidente António Lomba admitido que "há coisas que é difícil de explicar", em referência à guerra desencadeada após o levantamento militar franquista com base em Marrocos, tendo considerado o campo de concentração de Camposancos "o capítulo mais sinistro" do fascismo em A Guarda.
A exemplo de Uris Guisantes, o alcaide guardés deu relevo "ao lado humano" demonstrado pelos vizinhos desta vila, "solidarizando-se" com os presos e prometeu "dignificar" a fossa comum de Sestás, associando-se à iniciativa de uma comissão de cidadãos.
"Este livro é um passo para divulgar a nossa memória histórica e que não deve ser esquecida", precisamente numa altura em que "há quem a queira branquear", a par de constituir "uma barreira contra o novo fascismo" que os acossa, admitiu o autarca galego.