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O controle exercido pela PIDE sobre os caminhenses até ao Dia da Libertação: 25 de Abril

Uma carta que não chegou ao destino

Está agora em voga dizer-se da parte de alguns saudosistas que já não existe razão para que se celebre o 25 de Abril nos dias de hoje, tentando justificar esta posição porque já passaram 48 anos, ou porque o tempo em que vivemos no actual regime já ultrapassou o da ditadura (um recorde feliz, mas que subvalorizam) ou pretendem equiparar outras datas com a da madrugada libertadora.

Madrugada libertadora que o director deste jornal não pôde desfrutar e participar em Portugal porque na altura estava incorporado à força no exército colonial-fascista, limitando-se a acompanhar através da BBC e Rádio de Angola (obrigada posteriormente pelo MFA a retransmitir as emissões da Emissora Nacional, sendo caricato que no noticiário das 13 horas do Dia 25 de Abril, nada noticiaram sobre os acontecimentos que se viviam em Portugal, chegando ao ponto de "informar" que o governador geral de Angola tinha concretizado uma visita a uma região angolana previamente agendada, quando, na verdade, já nem sequer tinha lá posto os pés nesse dia, face ao desenvolvimento da revolução dos cravos).

Caminha, a exemplo dos demais concelhos portugueses, encontrava-se sujeita a uma vigilância apertada da polícia política do regime ditatorial, inicialmente designada por PVDE, depois, PIDE, e já no estertor do fascismo passou a designar-se DGS.

O Torre do Tombo recolheu algum tempo após o 25 de Abril os arquivos desses anos de chumbo controlados pelos esbirros da polícia política, através dos quais se pode constatar que o simples facto de um sócio de uma colectividade se candidatar aos corpos sociais do Sporting Club Caminhense, merecia uma apreciação à sua idoneidade pessoal e política pedida ao chefe local da PVDE por parte dos serviços centrais dessa polícia. Foi o caso do pai do director deste jornal, Luís Félix dos Santos Almeida, que já com a polícia política com o nome mudado para PIDE, em 10 de Março de 1959 (um ano após as presidenciais fraudulentas), foi objecto de uma informação "confidencial" do chefe do posto de Caminha a pedido do director da polícia de Lisboa, na qual reconheceram que "moralmente nada consta em seu desabono, politicamente é desafecto ao actual regime da Nação". E tudo isto "A Bem da Nação", assim terminavam habitualmente os seus escritos.

A luta pela liberdade de imprensa e o direito a informar foram objecto de uma repressão sistemática durante esses 48 anos, sendo inúmeros os exemplos de jornalistas perseguidos, torturados e presos, de jornais alvo do famigerado "lápis azul", da censura prévia, suspensões ou mesmo proibições de publicações de órgãos de informação não afectos à situação, que tentavam por todos os meios tornear os métodos repressivos para fazer chegar junto dos leitores a verdade a que deveriam ter direito.

Campanha para compra de rotativa enfureceu o regime

Era o caso do jornal "República", fundado por António José de Almeida - que chegou a ser Presidente da República durante a I República (1910-1926) -, aglutinador de diversas correntes republicanas e outras áreas políticas anti-fascistas, alvo da acutilância persecutória dos controleiros do regime.

Este diário, no início dos anos 60 do século passado, dirigido por Carvalhão Duarte, após o abalo sofrido pelo regime salazarista com as eleições presidenciais que na verdade ditaram a vitória ao candidato aglutinador de toda a oposição, o General Humberto Delgado, embora as trafulhices entabuladas pelos situacionistas e detentores do poder em Portugal acabassem por atribuir a vitória ao "Laminhas" (nome pelo qual era conhecido em meios da oposição o almirante Américo Tomás), candidato do regime, dizíamos que o "República" passou por momentos difíceis e teve necessidade de adquirir uma rotativa nova a fim de modernizar suas impressões.

Encetaram então uma campanha de angariação de fundos junto dos seus leitores, à qual aderiram milhares de pessoas, cujos nomes o jornal ia publicando regularmente, muitos dos quais a coberto da palavra "anónimo(a)" com receio de represálias da polícia política, e diariamente (quando não era suspenso) actualizavam o montante das verbas angariadas.

Carta interceptada pela PIDE

De entre os contribuintes para essa campanha, encontrava-se um comerciante de Caminha, José Manuel Correia da Gama Crespo, oposicionista declarado do regime, que a 15 de Novembro de 1963 enviou uma carta ao seu "amigo e correligionário" Carvalhão Duarte, na altura director do "República", correspondendo a essa iniciativa, enviando 10$00 em selos de um "anónimo", e a indicação de mais dois novos assinantes com as respectivas moradas, conforme podemos constatar no Arquivo da Torre do Tombo.

Como esta carta se encontra nos arquivos da PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado, entre 1945 e 1969), presentemente à guarda da Torre do Tombo, significa que nunca chegou ao seu destino. Fora interceptada pela polícia política. Os selos para a campanha da rotativa confiscados e até o selo do envelope (franquia dos Correios) contendo a carta foi "aproveitado" por algum dos esbirros, eventualmente coleccionador de selos.

Ainda relacionado com o jornal "República", José Crespo expressou as suas condolências "como democrata de Caminha" através deste jornal pelo falecimento de Jaime Cortesão a 14 de Agosto de 1960, o que não passou despercebido à polícia política, como se pôde apreciar através de uma referência constante dos ficheiros deste anti-fascista caminhense existentes na Torre do Tombo, pai do sub-director do C@2000.

Matrícula detectada

Este comerciante participava habitualmente nos jantares comemorativos da implantação da República (quando eram permitidos pelo regime), realizados habitualmente em Viana do Castelo no 5 de Outubro, momentos aproveitados pelos oposicionistas para exigirem liberdade de expressão, de reunião, manifestação, formação de partidos políticos e legalização de sindicatos não corporativos, fim da polícia política, e a partir dos anos 60 pedia-se o fim da Guerra Colonial - reivindicação que a ditadura não tolerava de todo e que habitualmente levava os seus autores à prisão e aos tribunais de excepção (plenários).

Num deles, em 1971, um agente local da PIDE detectou o seu carro (indicando a matrícula) junto a um restaurante de Viana do Castelo onde decorreu o jantar, do qual deu conhecimento os seus chefes.

Deslocação de jornalista do "República" vigiada pela PIDE

A 30 de Abril de 1958, alguns meses antes das fraudulentas eleições presidenciais a que a oposição concorreu, esperançada numa eventual mudança de regime alavancada na figura do General Humberto Delgado que vinha galvanizando os portugueses, um jornalista do "República", António Marcelino Mesquita, deslocou-se a Caminha, tendo-se encontrado com alguns dos apoiantes da candidatura do que ficou popularmente conhecido pelo "General Sem Medo", visita que foi seguida pela PIDE e objecto de um "relatório extraordinário" a 2 de Maio enviado pelo chefe do posto de Caminha para os serviços do Porto.

Estes são alguns exemplos da perseguição de que foram alvo estes e outros caminhenses durante o regime fascista, tempos de triste memória que convém não esquecer neste mês de cravos mil em memória dos que os viveram penosamente e "em que a minha pátria ficava cada vez mais cheia de sombras", como cantou o poeta. E recordá-los aos jovens que apenas ouvem algumas dessas estórias que os seus familiares ainda lhes narram. Sem esquecer os actuais pseudo legalistas e seus apaniguados que mais não querem do que tentar o regresso a esses "tempos de servidão".

Mês de Abril que ainda não terminou e culmina com um primeiro dia 1 de Maio de luta, motivo de mais referências a estes arquivos que chegaram até aos nossos dias, nas páginas deste jornal digital.

O director


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