Vasco Presa Gomes mostra-se tranquilo, nega "obras fantasma e terrenos em saldo", e dá a sua versão sobre a legalização do alargamento do cemitério e construção da casa mortuária
Inspectores da Polícia Judiciária de Braga voltaram a Caminha no início de Maio para recolher novos elementos de prova acerca dos presumíveis crimes cometidos durante o último mandato do PSD na Junta de Freguesia de Âncora. Na mira da polícia estão, entre outros casos, obras não executadas ou deixadas por concluir, para as quais foram realizadas transferências de verbas e a venda de terrenos a preço de saldo, sobretudo nas zonas do Monte da Espiga, Laboradas e Forte do Cão.
O C@2000 deu a notícia em Outubro de 2012. No entanto, as investigações da Polícia Judiciária já decorriam há largos meses, na sequência de uma dívida reivindicada por uma empresa de Braga (entretanto falida), cujo administrador de insolvência reclamava o pagamento de 80 mil euros. Perante o não pagamento, foi este mesmo administrador de insolvência a remeter o caso para o Ministério Público. O assunto transitou para a Polícia Judiciária de Braga e abriu-se uma autêntica "caixa de Pandora".
Com quase dois anos de investigação, a Polícia Judiciária já estará na posse de numerosas provas e procede agora à recolha dos documentos adicionais de prova, que permitirão sustentar os processos relativos a mais de uma dezena de presumíveis crimes. A deslocação a Caminha, no dia 7 de Maio, teve esse propósito.
A surpresa amarga que chegou de Braga
O anterior executivo da Junta de Freguesia de Âncora, do PSD, encabeçado por Vasco Presa, tinha garantido, quer verbalmente, quer através dos sucessivos documentos de prestação de contas, que não havia dívidas.
Esta situação, porém, colidiu com a reivindicação que chegou de Braga: como referimos, no final de 2010, o actual executivo da Junta de Freguesia de Âncora foi surpreendido com uma notificação de um administrador de insolvência por causa da existência de uma dívida de 80 mil euros de que a Junta era devedora.
Sem entender a situação e não conseguindo apurar a verdade dos factos junto de Vasco Presa, que entretanto ocupava o papel de delegado no órgão autárquico, o executivo actual não pagou e o administrador de Braga despoletou então a investigação do Ministério Público que colocou no terreno a Policia Judiciária.
Transferências de 1,1 milhões de euros
No entanto, na investigação que iniciou a propósito daquela questão, a Policia Judiciária e a Junta de Freguesia de Âncora descobriram que entre os anos de 2001 e 2009 a Câmara Municipal de Caminha tinha transferido para a Junta 1 milhão e 155 mil euros para realização de obras específicas.
Estes montantes correspondem a uma média de 137 mil euros ano, quando este ano o executivo de Caminha transferiu apenas 21 mil para a Junta socialista.
Mas o problema maior seria que grande parte das obras a que se destinariam estes montantes não teria sido executada ou concluída. Um exemplo claro são as obras de implantação de rede de águas na Rua da Areia, que mereceram aquele financiamento e nunca foram feitas em devido tempo. Ao contrário, quem as realizou terá sido este executivo, conforme asseguram.
A versão dos 80.000€ contada por Vasco Presa
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Vasco Presa, presidente da Junta de Freguesia até 2009, ouvido sobre estas situações que envolvem a sua gestão, confirmou que a firma Alberto Rocha, de Viana do Castelo, tinha solicitado adiantamentos de dinheiro na ordem dos 10 ou 20.000€, com a contrapartida de entrega dos respectivos recibos. Contudo, a partir de determinada altura, "quatro anos antes do último mandato" deixou de apresentar os respectivos recibos levando o executivo de Vasco Presa a suspender os adiantamentos sem que antes fossem feitas medições dos autos das obras, conforme o próprio nos revelou, a par de terem exigido a limpeza dos tubos e caixas da rede de saneamento que se encontravam "cheios de areia".
Mais tarde, a anterior Junta terá sabido que a firma já se encontrava insolvente e "não podia descontar cheques" emitidos em seu nome, a par de ter indicado ao gestor da massa falida os 80.000€ da obra que posteriormente foram apresentados ao novo executivo para pagamento e que este se recusou a satisfazer por desconhecer a obra executada.
Vasco Presa lamenta que a actual Junta (socialista) se tenha recusado a pagar, porque "deixamos-lhes 87.000€ mais 30.000€ de trabalho feito na Mata da Gelfa", frisando que seriam cerca de 120.000€, incluindo o dinheiro proveniente do Fundo de Fomento das Freguesias.
O anterior autarca insiste que "todas as obras delegadas pela Câmara de Caminha foram feitas", além de lhes ter sido possível concretizar "mais algumas" com dinheiro que sobrava.
Terrenos vendidos ao desbarato e dinheiro desaparecido
À questão das obras acrescem as suspeitas sobre a venda de terrenos da Junta, em diferentes zonas da freguesia, como o Monte da Espiga, Laboradas ou Forte do Cão. Nestes casos, o C@2000 apurou que existem escrituras de compra e venda de terrenos da Junta a particulares (em alguns casos, ao mesmo particular) por valores exíguos e quase simbólicos (cerca de um quarto do preço de mercado por metro quadrado) e cujos montantes não entraram nos cofres da Junta de Freguesia, segundo os registos existentes à data.
"Foram todos negociados e vendidos"
No entanto, Vasco Presa Gomes refuta a existência de terrenos "cedidos a particulares a preços baixos", afiançando que" foram todos negociados e vendidos" de acordo com as deliberações da Assembleia de Freguesia, cujas actas concedendo poderes à Junta para vender directamente os lotes a pessoas da freguesia comprovariam o que afirma.
"As pessoas foram fazendo as casas aos sábados e domingos", frisa o ex-líder da autarquia ancorense, vincando ainda que "se a Junta não tivesse feito o loteamento, eles nunca teriam feito as casas" e, respondendo a outro ponto da acusação que lhe é feita, disse que se houve três ou quatro pessoas que venderam as casas ou os terrenos, "nós não tivemos nada a ver com isso, porque", acrescentou, "não salvaguardamos na escritura que não podia ser vendida" a terceiros.
Tractor a troco de trabalho
Outro dos assuntos que tem feito correr muita tinta em Âncora, prende-se com a compra de um tractor. Mas Vasco Presa reafirma que "se fosse hoje, voltaria a fazer precisamente a mesma coisa que fiz naquela altura".
Segundo explicou Vasco Presa, havia um homem que realizava trabalhos para a autarquia "a um preço mais baixo do que outros", até que o seu veículo se avariou e, "numa altura em que veio fazer contas com a Junta", pediu ajuda para prosseguir os trabalhos.
A Junta ficou de avaliar as possibilidades de conseguir o veículo, tendo chamado uma firma de Braga e que deu um preço, sendo acordado quinze dias depois a compra do tractor em "duas ou três prestações", comprometendo-se o tractorista a descontar com horas de trabalho o seu pagamento total à Junta.
Embora mensalmente lhes fossem descontados os pagamentos devidos, Vasco Presa confirmou que em algumas ocasiões lhe davam algum dinheiro, quando, "às vezes, ele se encontrava mais à rasca", precisou, afirmando ainda que tudo se encontrava discriminado num "papel" e no computador da Junta.
A factura do tractor foi emitida em nome da autarquia ancorense e dois anos antes do fim do mandato, o tractorista e a Junta acertaram contas, concluindo que os mais de dois mil contos (6.000€) pagos pelo executivo autárquico estavam saldados pelos serviços de limpeza (nomeadamente na Mata da Gelfa).
Contudo, a Junta viu-se confrontada com a necessidade de passar o tractor para o nome do homem, dado que a GNR vinha colocando reservas à sua utilização noutras obras, porque se encontrava ainda na titularidade da autarquia. Foi então emitido um documento de transmissão da posse do veículo para o tractorista, mas, segundo adiantou Vasco Presa, o homem andou com ele em seu poder uma data de tempo ("um ano e tal") sem que legalizasse a transmissão, daí resultando, segundo afirma, "toda esta confusão" criada pela actual Junta a quem acusa de "denegrir a imagem" da anterior. Tentando defender-se, Vasco Presa disse que, inicialmente, se recusara a assinar um documento apresentado pela junta actual em que se comprometeria a assumir as responsabilidades pelo imbróglio existente.
Mais tarde, viriam os três membros da anterior Junta a assinar outro documento "mais adequado à situação" e elaborado pela Junta em funções, a fim de resolver o problema ao tractorista, lamentando Vasco Presa que tudo não se tivesse resolvido logo à partida.
Casa mortuária: "É tudo muito simples!"
Outro caso objecto de forte controvérsia na freguesia de Âncora, prende-se com o terreno onde foi erguida a casa mortuária e respectiva construção.
Vasco Presa refuta qualquer irregularidade passível de investigação, dizendo mesmo ser "tudo muito simples!", bastando para tal consultar as actas das assembleias de freguesia do seu mandato.
"Eu e minha mulher fizemos uma declaração assinada pelos dois, documento deixado na Junta de Freguesia, em que dizemos que doamos o terreno para alargamento do cemitério e construção da casa mortuária", cujo projecto foi entregue na Câmara e aprovado pela Assembleia de Freguesia, tendo recebido um apoio camarário de 40.000€ para a primeira fase da obra, aduziu o ex-autarca.
Garantiu que realizaram uma consulta a cinco empreiteiros, tendo adjudicado os trabalhos por cerca de 38.000€ ao que apresentou o preço inferior, embora só tenham pago 36.000€, pelo que existirão cerca de 2.000€ na autarquia.
Assumiu que nesse documento existente na Junta de Freguesia está expresso que o terreno cedido fazia parte do cemitério, a par de já terem sido executadas em anos anteriores outras ampliações do cemitério, levando a que de uma área inicial de 1.050 m2, se passou para 2.500 m2.
Vasco Presa diz não entender com se fala agora de cerca de mil metros quadrados que o cemitério tem a mais.
Contudo, surgem dúvidas sobre a legalização dos terrenos a favor da Junta, mas Vasco Presa Gomes afiança que está tudo em ordem.
Acrescenta que antes de saírem da Junta, tinham levado a cabo o levantamento de todas as campas e sepulturas ("com o seu historial") e que a Junta terá pago, a par de incluir a área total do cemitério.
Vasco Presa desafia a actual Junta, "se tiver dúvidas", a realizar um levantamento e a verificar as confrontações e "legaliza aquilo em quinze dias", está convicto.
O antigo presidente da Junta que se manteve em funções desde 1976, até que perdeu as eleições há quatro anos para o PS, assegura que todo este burburinho se deve a "política, má fé e denegrir o que a anterior fez", encarando por isso com tranquilidade as investigações que venham a ser desenvolvidas.