Jornal Digital Regional
Nº 591: 9/15 Jun 12
(Semanal - Sábados)






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CÂMARA FOI OBRIGADA A ASSUMIR DÍVIDAS DA ÁGUA E VAI PAGAR CINCO MILHÕES DE EUROS INCLUINDO JUROS DE MORA À TAXA DE 6,50% ATÉ 2016

Júlia Paula admite que errou
Mais de meio milhão só em juros
Munícipes vão pagar a factura do "erro"?
Que futuro para os advogados da contenda?

A Câmara de Caminha vai começar a pagar as dívidas à empresa Águas do Noroeste já a partir do corrente mês de Junho e só acaba no final de Novembro de 2016, se até lá cumprir o acordo a que foi forçada, aprovado pela maioria PSD na última reunião do Executivo.

São cerca de cinco milhões de euros no total, dos quais mais de meio milhão são juros de mora, à taxa de 6,50%. A empresa fez uma reavaliação ao património municipal de abastecimento de água e de saneamento e vai incorporar os reservatórios, senão a autarquia ainda teria de pagar mais. Júlia Paula admitiu que errou e os vereadores socialistas nem queriam acreditar no volte-face e votaram contra. Acaba o litígio judicial e a presidente disse que "mais vale um bom acordo do que uma má litigância", deixando todos boquiabertos. Resta saber se os caminhenses serão chamados a pagar a factura deste "erro" - a presidente nada disse.

Em 27 de Fevereiro último, Júlia Paula contratou uma empresa de advogados de Vila Nova de Famalicão, nomeadamente para continuar a tratar destas dívidas. A sociedade de advogados cobra, durante oito meses e um dia, a quantia de 35 mil euros (mais IVA) o que dá uns módicos 5.381 euros por mês.

Tentámos indagar junto dessa sociedade de advogados famalicense se tinham conhecimento do acordo feito entre a CMC e a Águas do Noroeste e qual a sua posição sobre o contrato entretanto celebrado em Fevereiro último, mas não nos foi possível falar com ninguém.

No mês passado, todos os munícipes receberam, com a factura da água, uma carta dando conta do que a Câmara entendia ser a história do litígio, que omitia o valor das dívidas e os montantes, da ordem dos milhões, entregues pela empresa Água do Minho e Lima ao município de Caminha, em troca do negócio que Júlia Paula contesta há anos em tribunal.

Numa coisa a carta era peremptória e não havia outra interpretação possível: a contenda judicial era para continuar: "O Executivo acredita que tem razões para contestar estas despesas em tribunal e defender os interesses dos munícipes. Quando o processo terminar na Justiça, e se for dada razão ao Município, todos os caminhenses sairão beneficiados. Caso a Justiça entenda que temos de suportar todo o Sistema, o valor da dívida terá de ser renegociado com a empresa e ajustadas as tarifas para o acerto de contas", lia-se nesse documento apenso à factura da água correspondente ao mês de Abril/12.

Júlia Paula forçada a dar o dito por não dito

Nem um mês passou ainda e Júlia Paula deu o dito por não dito e apresentou um acordo pronto para ser votado no Executivo e supostamente negociado. Quase não há fôlego para seguir um trajecto tão rápido.

O C@2000 já tinha noticiado que a troika queria "arrumar a casa" na empresa Águas de Portugal, a braços com dívidas astronómicas, parte delas de municípios, sendo Caminha um dos maiores devedores em termos proporcionais. As dívidas eram, como escrevemos, "galopantes" e cresceram em um milhão de euros apenas em seis meses. A troika pressionou o Governo de Passos Coelho e este pressionou Caminha.

O acordo apareceu num estalar de dedos e nem sequer foram poupados os juros, que vão ser cobrados, como referimos, a uma taxa de 6,50%.

Júlia Paula sairá, se não for antes, no próximo ano, mas deixa o município refém deste compromisso até 2016. É um pesado fardo para uma autarquia que, este ano, apresentou já um buraco de 2,7 milhões de euros. Para pagar ficam também as rendas assumidas com a parceria público privada, até 2033, a somarem mais de 20 milhões de euros.

Dívida total ultrapassava os seis milhões de euros

No quadro do acordo-relâmpago, num piscar de olhos, a Câmara "reconhece a obrigação de pagamento das faturas e notas de débito emitidas (…) perfazendo a quantia de € 5.250.014,89 (cinco milhões, duzentos e cinquenta mil, catorze euros e oitenta e nove cêntimos), relativas a serviços prestados de abastecimento de água para consumo público, serviços prestados de saneamento de águas residuais e de protocolos relativos a estudos e projetos e obras e juros de mora, valor que se encontra vencido na data da celebração do presente Acordo" - lê-se na página dois do documento

Um acerto de contas diminui aquele montante para os € 4.393.269,71, mas os juros são para somar: "À dívida referida (…) acrescem juros financeiros, à taxa de 6,50% (seis vírgula cinquenta por cento), os quais serão proporcionais ao tempo decorrido até à sua completa quitação", lê-se mais adiante. O valor é de mais de meio milhão de euros: € 559.743,44.

Como referimos, a empresa Águas do Noroeste arrenda os reservatórios municipais, por € 596.713,00 (por todo o período que dure a concessão) e aceitou reavaliar o património municipal de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais afeto à concessão, que transitaram para o Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do Noroeste após a extinção da Águas do Minho e Lima, SA, perfazendo a quantia de € 412.193,88.

A Câmara, na realidade, nada receberá, fazendo-se o respectivo acerto de contas.

Câmara refém até Novembro de 2016

Já este mês, a Câmara de Caminha começa a pagar as dívidas, no valor de € 4.393.269,71, saldadas apenas, se tudo correr bem, em Maio de 2016. A partir dessa data, sem qualquer pausa, começa a pagar os juros, € 559.743,44, e só acaba em Novembro de 2016.

Mas os compromissos assumidos junto da Águas do Noroeste não acabam aqui. A partir de agora, os serviços que regularmente forem prestados de abastecimento de água para consumo humano e de saneamento de águas residuais, nos termos e nos prazos estabelecidos nos contratos de fornecimento de água e de recolha de efluentes ou, na sua ausência, terão de ser pagos no prazo de 60 (sessenta) dias após a sua emissão.

O acordo poderá ser revisto no caso das finanças piorarem ainda mais, por exemplo, se acontecer a aprovação de um plano de saneamento financeiro ou a declaração de uma situação de desequilíbrio financeiro.

O que vai acontecer à nossa factura da água?

Júlia Paula disse esta semana que errou, mas tem dito também, ao longo de anos de litígio, que a aceitação das dívidas teria repercussões para os bolsos dos munícipes. Na carta enviada há menos de um mês reafirmou-o. Lê-se no final da primeira coluna do verso da folha: "Assim caso acatássemos o valor cobrado pela empresa, seriam os Munícipes de Caminha a suportarem o incumprimento do referido acordo".

E vai mais longe, considerando que se não cumprir o contrato celebrado em 2000 para integrar o Sistema Multimunicipal de Água e Saneamento do Minho e Lima é defender os interesses dos munícipes: "Ou seja, para os caminhenses a água seria mais cara pelo facto de sermos cumpridores".

Na reunião de quarta-feira passada, Júlia Paula nada disse sobre um eventual aumento dos preços da água, que já sofreram acréscimos consideráveis no início do ano. Os recentes aumentos do preço da água cobrada aos munícipes pela Câmara de Caminha motivaram entretanto muitas críticas e reclamações. É que o custo da água, classificado já de "exorbitante", arrasta os custos do lixo e saneamento e conduz a facturas muito pesadas para o orçamento das famílias.

Advogados mantêm contrato com a Câmara?

Outra questão que não foi clarificada na reunião de quarta-feira foi o futuro da relação com os advogados de Vila Nova de Famalicão, a "Loureiro, Malvar & Carvalho - Sociedade de Advogados, R.L.".

A Câmara deixou claro, há cerca de um mês, que era o litígio das águas e as dívidas acumuladas durante os mandatos de Júlia Paula que obrigavam à contratação: "O presente contrato tem por objecto a prestação de serviços jurídicos, estabelecidos na proposta do segundo outorgante, documentos que depois de rubricados pelos intervenientes ficam a fazer parte integrante do presente contrato. O trabalho a desenvolver traduz-se na prestação de serviços jurídicos, judiciais e extra-judiciais, que se mostrem necessários para a defesa dos interesses do Município, nomeadamente no que respeita ao diferendo com as Águas do Minho e Lima/Águas do Noroeste".

Agora, no âmbito do acordo, as partes "comprometem-se à extinção imediata da instância em todos os processos judiciais que incidam sobre as quantias objecto do presente Acordo". Estipula-se também: "As custas judiciais resultantes dos atos judiciais previstos no número anterior serão assumidas por cada uma das Partes, repartidas em partes iguais".

"O que eu posso garantir é que iremos ganhar esta questão"

Em Novembro de 2010, questionada pelo vereador Jorge Miranda a propósito da problemática das dívidas à empresa Águas do Noroeste/Águas do Minho e Lima, Júlia Paula tinha todas as certezas, arrasou o socialista e quase lhe chamou ignorante. "Relativamente à intervenção do Senhor Vereador Jorge Miranda, quanto às Águas do Minho e Lima, começo a ter pouca paciência para um desconhecimento tão profundo. O conteúdo da sua intervenção revela um desconhecimento incrível sobre matérias que são absolutamente fundamentais e vou-lhe explicar porquê, mas com o devido respeito, porque não está aqui em causa a capacidade intelectual, que reconheço ao Senhor Vereador".

A presidente atirou ainda: "não estejam preocupados com o réu, eu preocupo-me é com ganhar a acção, e o que eu posso garantir é que iremos ganhar esta questão, só se não houver justiça". A autarca garantia ainda que, mesmo em caso de perda, a Câmara nada teria a pagar: "(…) se ganharmos a acção, devolvem-nos o dinheiro, se perdermos a acção, já lá esta o valor". Está tudo na acta da reunião de 17 de Novembro de 2010.

"Um assunto que eu herdei"

Após os dois vereadores socialistas terem votado contra este acordo que, segundo as contas da autarca, iria permitir reduzir a dívida em 1,8 milhões de euros, Júlia Paula exigiu que explicitassem as razões do voto negativo, referindo Teresa Guerreiro que se devera ao facto de não ter sido entregue a (vasta) documentação com o tempo necessário a uma análise detalhada das suas razões e consequências.

Júlia Paula acusou os outros municípios do Alto-Minho de não terem aderido ao sistema em 2004 - após terem celebrado um contrato com a "Minho e Lima" em 2001 -, levando a que Caminha tivesse sido obrigada a suportar custos de água superiores aos demais e que, além do mais, recebiam as tarifas mas não as entregavam à empresa de águas.

Segundo justificaram Júlia Paula e Mário Patrício, a contestação judicial com que a Câmara de Caminha avançara, prendia-se com o facto de estarem a pagar uma tarifa mais elevada visto que os demais municípios não estavam a cumprir esse contrato, pois, caso o tivessem feito, o volume de água a vender pela empresa seria maior e o seu preço diminuiria.

Referiram ainda que as captações de água para abastecimento ao concelho de Caminha continuaram a ser feitas na Valada e Cavada, quando esse contrato de inícios de 2000 indicava que a "Minho e Lima" iria transportar a agua da barragem de Touvedo para todo o distrito, o que não viria a suceder, asseguraram.

De um preço de 48 cêntimos por m3, passaram a pagar 60 cêntimos, acrescentou a autarca, o que consideraram injusto, sendo essa uma das principais razões da acção judicial que acabou por não chegar ao fim, como se vê agora, apesar da confiança demonstrada em ganhá-la no tribunal.